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domingo, 27 de março de 2016

‘A Anvisa está sendo humilhada pelo Congresso’, diz oncologista



Pesquisador acredita que a droga pode não representar riscos, mas ser inócua
Foto: Gustavo Stephan / Gustavo Stephan/ 06-10-2011

Fonte: o Globo 

Qualquer medicamento deve ser submetido a rigorosos testes e autorizado pelos órgãos de saúde antes de chegar a farmácias ou hospitais. Deputados federais e senadores, porém, não pensam assim. O projeto de lei que permite fabricar e distribuir a fosfoetanolamina sintética foi aprovado pelo Congresso e vai ser submetido à presidente Dilma Rousseff. Fruto de pesquisa do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, a substância chegou a ser distribuída localmente, e alguns relatos de pacientes dizendo que as pílulas reduziram seus tumores ganharam redes sociais e geraram pressão pela produção em larga escala. Mas a molécula jamais teve sua eficácia comprovada. Só agora estão sendo realizados os testes necessários, financiados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. De acordo com o projeto de lei, para obter a substância, o paciente só precisará comprovar a doença com laudo médico e assinar um termo de responsabilidade. Nesta entrevista, o oncologista Carlos Gil, especializado em pesquisas sobre novos fármacos, faz críticas à aprovação “demagógica”, o que, segundo ele, causa “danos irreparáveis” à ciência.
O que representa para a ciência a proposta que permite distribuir a fosfoetanolamina sintética antes de ser devidamente testada?
Lamentável. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que tem qualidade reconhecida internacionalmente, está sendo humilhada pelo Congresso. Mesmo se a lei não for sancionada, a aprovação dos parlamentares já representa um dano irreparável para a ciência brasileira. É uma decisão totalmente demagógica. Preocupa muito essa interferência num processo de liberação de medicamentos.
O projeto será levado à presidente. Qual é a expectativa?

A expectativa da comunidade científica é que a Dilma vete. Os parlamentares estão pensando no ganho político, e não na segurança da população. O medicamento pode até não ser tóxico, mas pode ser inócuo. É preciso gerar fatos para estabelecer sua eficácia contra o câncer.
Como esses fatos são gerados?
Por meio dos testes adequados. As fases pré-clínicas, antes dos testes com humanos, se dividem em várias etapas. As primeiras ocorrem com células in vitro, em que se observa a atividade antitumoral da molécula que está sendo analisada. Dependendo dos resultados, avalia-se o desempenho da substância em animais, desde camundongos até macacos. É um trabalho complexo, para saber, por exemplo, se a droga é eficaz e se tem efeitos colaterais, como perda de peso ou até a morte do animal. O objetivo é poupar humanos de receber substâncias tóxicas ou ineficazes. Para se ter uma ideia, de cada mil moléculas avaliadas, só uma se mostra apta para testes em humanos.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação divulgou, em 18 de março, resultados negativos para os primeiros testes com a fosfoetanolamina...
Foi importante a decisão do ministério de financiar os estudos. Se existem indícios de eficácia e esse clamor todo da sociedade, cabe à academia dar uma resposta. O que ficar concluído deve ser acatado, porque há um grupo de alto nível à frente dessas pesquisas. Por ora, eles estão fazendo análise do grau de pureza, que já mostrou que menos de 30% da substância é fosfoetanolamina de fato. Os primeiros resultados também mostraram ineficácia contras as células de tumor in vitro. Mas é cedo para conclusões, uma série de estudos ainda é necessária.
A fosfoetanolamina já foi usada por muitas pessoas, que obtiveram a substância na USP de São Carlos, e não se tem notícia de efeitos colaterais.
Aparentemente, a substância não representa risco, mas acho que é inócua.
Como o senhor tomou conhecimento sobre essa pílula?
Foi há quatro anos, quando eu trabalhava com a Redefac (Rede Nacional para o Desenvolvimento e Inovação em Fármacos Anticâncer, ligada ao Ministério da Saúde), cujo objetivo era buscar, no Brasil, potenciais moléculas que pudessem ter eficácia. Uma delas foi a fosfoetanolamina. Os dados, muito poucos, mereciam ser investigados. Na época, recomendamos mais estudos aos pesquisadores, mas não tivemos resposta. Não ouvi mais falar sobre o assunto até ano passado, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) tomou a decisão que gerou toda essa bola de neve (leia o texto no fim da entrevista).
Na sua opinião, por que há tanta gente acreditando que a fosfoetanolamina realmente cura o câncer?
É um fenômeno. Pode ser explicado, em parte, pela necessidade de se acreditar em alguma coisa. O brasileiro está com falta de fé nas instituições. Aí surge alguém dizendo que foi descoberta a cura para o câncer e que o governo não deixa distribuir, e muitas pessoas acreditam. A informação circulou nas redes sociais, e, pelo menos no início, parte da imprensa também ajudou a divulgar a ideia de que a molécula realmente funciona.


Muitos pacientes ou parentes de pacientes com câncer, alguns em estágio terminal, procuraram a pílula como se fosse a última esperança. Como os seus pacientes reagiram?
Esse desespero é totalmente normal e compreensível. Muitos pacientes e familiares perdem esperança no tratamento convencional. E existe uma crença de que essa fórmula não é autorizada devido a interesses escusos... O que não é verdade. Se houvesse uma droga brasileira eficaz contra o câncer, seria um grande avanço para a ciência do país. Hoje, meus pacientes pedem informações sobre a fosfoetanolamina de forma mais madura. Mas, no início, queriam ter acesso,alguns embarcavam no discurso das redes sociais, diziam que o governo estava embarreirando. Mas, como médico, não posso nunca receitar uma substância que não foi devidamente testada.
PACIENTES BRIGAM NA JUSTIÇA PELA DROGA
Produzida por cientistas liderados pelo pesquisador aposentado Gilberto Chierice, do Instituto de Química da USP em São Carlos, a fosfoetanolamina sintética vinha sendo distribuída de maneira informal até junho de 2014, quando a instituição publicou uma portaria proibindo esse repasse. Entretanto, em outubro do ano passado, o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar favorável a uma paciente em estado terminal que queria obter a substância.
A notícia se espalhou, e diversas liminares de primeira instância em São Paulo favoreceram outros pacientes, que fizeram longas filas na porta do instituto em São Carlos. Em novembro, porém, o Tribunal de Justiça de São Paulo cassou todas essas decisões locais. Já este mês, o desembargador Nagib Slaibi, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, concedeu liminar a favor de um paciente com câncer no intestino, obrigando o governo estadual a fornecer a fosfoetanolamina sintética.


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