Fonte: DW
Desde que perdeu as eleições legislativas, há dois anos, Nicolás Maduro revela sua verdadeira face pouco a pouco, como uma dançarina de striptease, escreve, de forma sarcástica em editorial, o jornal El Nacional. Para depois sentenciar:"Hoje, ele não consegue esconder que é um simples e vulgar ditador, como tantos outros na triste história da América Latina."
Alinhado à oposição, o diário venezuelano não poupa palavras ao afirmar, de forma assertiva, que o mais doloroso é que muitos venezuelanos compraram a falsa ideia de que, "por trás desses militares golpistas", há um projeto social capaz de colocar a Venezuela de volta aos trilhos.
Mas assertiva também é a linguagem do governo: a Assembleia Constituinte, a ser eleita neste domingo com maioria chavista, é "um dos elementos mais democráticos do mundo todo", como assegurou o consultor jurídico do presidente, Elvis Amoroso, ao jornal Últimas Notícias. Ela permite "o grande diálogo, a paz, a harmonia e o perdão, pelos quais todos os venezuelanos anseiam."
Ambos os lados, tanto dos simpatizantes como dos opositores do presidente, recorreram a palavras fortes para preparar o povo para a eleição da Assembleia Constituinte: segundo Maduro, para decidir se os venezuelanos querem viver em um "país livre ou em uma colônia do imperialismo"; para os oposicionistas, um pleito meramente para confirmar a ditadura chavista.
Manobra eleitoral
A coalizão de oposição Mesa da Unidade Democrática (MUD) enxerga no pleito sobretudo uma tentativa de Maduro de reforçar seu poder. E salienta que os 545 assentos da agremiação eleita serão ocupados em grande parte por seus próprios simpatizantes ou por grupos próximos do governo – sindicatos, estudantes, pensionistas, agricultores.
Todos os municípios do país estão representados no novo grêmio com o mesmo número de integrantes. Aos olhos da oposição, isso não é justo, pois as regiões rurais pouco povoadas ficariam desta forma significativamente super-representadas em comparação com as cidades mais densamente povoadas. Afinal, Maduro recrutou seus seguidores principalmente das áreas rurais. Foi assim que ele conquistou uma clara maioria na eleição – embora apenas um terço dos venezuelanos o apoie.
Os receios da oposição têm fundamento, afirma Detlef Nolte, diretor do instituto Giga de estudos latino-americanos, baseado em Hamburgo: as eleições não obedecem aos requisitos democráticos.
"Para poder levar o nome de democracia é necessário que haja eleições livres, e o que acontece neste 30 de julho é um simulacro de eleição", diz Nolte. "A Venezuela tem fortes traços ditatoriais", completa.
Claudia Zilla, da fundação de estudos políticos SWP, de Berlim, avalia o caso de forma semelhante. "É difícil dizer quando a Venezuela deixou de ser uma democracia", diz Zilla, que coordena o grupo de pesquisa "América". Ela aponta para o "exercício de poder cada vez mais autoritário" de Maduro, "praticamente a destruição da separação dos poderes, ou a restrição à liberdade de expressão e de associação."
À beira da ditadura
A oposição convocou um boicote às eleições. Apesar da proibição de manifestações, ela também insta seus seguidores a levarem o protesto para as ruas. Isso poderia levar a violência – mais de 100 pessoas morreram em quatro meses de protestos – a outro patamar.
Ao mesmo tempo, Maduro faz pouco para reverter a situação. Em uma entrevista ao canal russo Russia Today, ele acusou os Estados Unidos de atuarem junto com a oposição para derrubá-lo. Mas o país estaria determinado a se defender:
"Se a Venezuela ficar dividida, se a revolução socialista for forçada a pegar em armas, vamos novamente lutar para além das fronteiras sob uma bandeira comum." Maduro mandou armar 500 mil milicianos.
O resultado da Constituinte pode ser decisivo para o futuro político do país. A violência pode se agravar ainda mais, e até a expressão "guerra civil" não pode, neste momento, ser descartada. Porém, o país ainda tem a chance de evitar o pior.
"A Venezuela tem fortes elementos ditatoriais, mas a oposição ainda pode expressar seus pontos de vista, ainda que figuras da oposição e dissidentes estejam em prisões", afirma Detlef Nolte, do instituto Giga de Hamburgo. "A Venezuela está à beira de uma ditadura."