Fonte: BBC
Depois de quase desistir de comparecer à cúpula anual do G20, na Alemanha, o presidente Michel Temer, denunciado por corrupção passiva, chegou a Hamburgo, Alemanha, sem o brilho de quase uma década atrás, quando a ascensão do grupo coincidiu com o auge de visibilidade do país no mundo.
Foi no final de 2008, logo após o estouro da bolha americana, que o G20, formado pelas principais economias desenvolvidas e emergentes, evoluiu de um grupo de discussão financeira para um fórum de chefes de Estado e governo.
Seu fortalecimento, em contraponto ao G8 - formado pelos países mais ricos do mundo e a Rússia - seguiu-se à percepção de que não seria possível encontrar saídas para a turbulência econômica sem a participação das grandes nações emergentes, como China, Índia e Brasil, que apresentavam altas taxas de expansão do PIB.
Mas se naquela época o Brasil despertava admiração mundial ao conciliar forte crescimento com redução da desigualdade de renda, agora o país chama atenção pela persistência da crise econômica, pela profusão de escândalos de corrupção e pela confusão política sem saída rápida aparente, observam especialistas em política externa ouvidos pela BBC Brasil.
A expectativa, segundo projeções do FMI, é que o país apresente o pior desempenho econômico do grupo pelo terceiro ano consecutivo.
"Os anos de 2008 e 2009 eram o momento da 'Brasilmania', com a estátua do Cristo Redentor decolando do topo da montanha do Corcovado na capa da revista inglesa The Economist. Agora, acho que estamos numa fase de 'Brasil-náusea', colocando para fora problemas como populismo político, irresponsabilidade fiscal e um sistema de economia política de compadrio", afirma Marcos Troyjo, diretor do BricLab da Universidade de Columbia, nos EUA.
Carisma
Hoje também alvo de denúncias, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhou protagonismo naquela época com seu carisma. No segundo encontro do G20, em 2009, em Londres, chegou a ser chamado pelo então presidente americano Barack Obama de "o cara" e "o político mais popular da terra".
Já o presidente Temer tende a não atrair a atenção dos colegas na Alemanha, na opinião do especialista em América Latina e presidente emérito do centro de pesquisas Inter-American Dialogue Peter Hakim.
"Temer não terá muita voz ou influência na reunião. O Brasil não desempenha hoje nenhum papel importante nos assuntos econômicos mundiais. A crise de governo, os retrocessos econômicos e os escândalos de corrupção fizeram com que a maioria dos principais países do mundo e agências internacionais se tornasse cautelosa sobre manter relações próximas com o Brasil."
Apesar disso, Hakim considera importante que Temer tenha revisto sua decisão de faltar à cúpula.
"Sua ausência teria sido pior. Ele teria deixado clara uma dessas duas coisas: ou que o Brasil está em tamanha turbulência que seria impossível viajar para o que ainda é considerado uma reunião de chefes de Estado de importância central ou que o presidente temia ser evitado pelos outros líderes presentes", avalia.
Já a professora do Instituto de Relações Internacionais da USP Maria Antonieta Lins vê uma "faca de dois gumes": se por um lado a ausência de Temer seria negativa, tampouco sua presença é positiva, afirma.
Ela atribui a crise econômica que se arrasta há três anos aos erros do governo de Dilma Rousseff, mas considera que hoje a crise política é o maior entrave para a recuperação.
"A presença do Temer (no G20) é extremamente nefasta para o Brasil. A imagem dele está completamente desgastada nacionalmente e internacionalmente. Eu acompanho a imprensa internacional todos os dias, ele é uma figura praticamente ridicularizada em todos os continentes", lamenta.
"Então, (sua ida ao G20) parece ser essa pessoa fingindo que está tudo normal, sendo que ele pode ser processado a qualquer momento, sair do posto. É uma coisa um pouco patética, infelizmente."
Ao chegar ao hotel em Hamburgo, Temer disse, em brevíssima fala a jornalistas, "que não existe crise econômica no Brasil" e que crise política não atrapalha sua participação no G20.
Enquanto outros líderes aproveitam o G20 para realizar encontros bilaterais, a previsão divulgada pelo governo é de que Temer realize passagem relâmpago por Hamburgo e retorne ao Brasil cedo no sábado, perdendo a última sessão de trabalho da cúpula que trata de empoderamento da mulher, digitalização e emprego.
Na lanterna
Apesar da turbulência, a expectativa é que Temer mantenha o tom que tem usado em compromissos internacionais, buscando passar otimismo com a recuperação da economia brasileira - que vinha mostrando sinais de retomada antes do agravamento da crise política, em maio, causado pela delação do grupo JBS dentro da Lava Jato.
Segundo as projeções do FMI para o crescimento em 2017, o Brasil caminha para o terceiro ano consecutivo na lanterna econômica do G20, considerando os 19 países que integram o grupo (o vigésimo integrante é a União Europeia).
Espera-se que, após acumular queda de 7,2% nos últimos dois anos, a economia brasileira fique estagnada em 2017.
Os demais países cresceram em média 5% na soma de 2015 e 2016 - alta puxada por outras nações emergentes, como Turquia (9%), Indonésia (10%), China (14%) e Índia (15,3%), embora mesmo nações desenvolvidas também tenham registrado desempenho bem melhor que o Brasil no período, como Estados Unidos (4,25%) e Reino Unido (4%).
A expectativa é que neste ano os 19 cresçam, em média, 2,5%.
Foco em Trump
A programação dos dois dias da cúpula prevê debates sobre assuntos que vão de terrorismo a desenvolvimento sustentável, passando por comércio global, migração, empoderamento da mulher e parcerias com a África.
A grande expectativa é sobre como será a atuação do novo presidente americano, Donald Trump, que faz sua estreia no G20. Seu discurso de hipervalorização dos Estados Unidos - cujo slogan é "America First" (América em primeiro lugar) - tende a aumentar os impasses dentro do grupo multilateral.
Os principais pontos que devem gerar embates entre Trump e a anfitriã do evento, a chanceler alemã Angela Merkel, são política climática e comércio internacional.
Contrariando a defesa histórica do G20, ao menos na teoria, pelo aumento do livre comércio, o presidente americano acredita que mais protecionismo é necessário para alavancar a indústria em seu país.
Ele também anunciou recentemente que não pretende cumprir o acordo de Paris, assinado na Conferência da ONU sobre o Clima, em que 195 países se comprometeram com o objetivo de impedir que a temperatura média global suba mais de 2°C.
Já Merkel disse em discurso no Parlamento alemão na semana passada, que "quem quer que acredite que os problemas deste mundo possam ser resolvidos pelo isolacionismo e pelo protecionismo está cometendo um grande erro".
Divergências
Além do isolacionismo americano, há também o britânico, após a aprovação da separação do Reino Unido da União Europeia, o Brexit.
"A divisão em assuntos como comércio, mudança climática e migração pode levar ao primeiro fracasso de uma cúpula do G20 desde seu início em 2008", afirma John Kirton, codiretor do Grupo de Estudos do G20, ligado à Universidade de Toronto.
"Isso vai depender da disposição do imprevisível Trump e do esforço de Merkel para conduzir as negociações para pontos de maior convergência, como crescimento inclusivo, geração de empregos, combate à corrupção."
"Mesmo que Merkel tenha uma estratégia para isso, não sabemos se Trump estará no 'clima' de concordar", ressalta.
Outra grande expectativa é sobre o primeiro encontro entre Trump e o presidente russo, Vladimir Putin, que também ocorrerá à margem do G20.
Enquanto outros líderes aproveitam o G20 para realizar encontros bilaterais, a previsão divulgada pelo governo brasileiro é de que Michel Temer realize passagem relâmpago por Hamburgo e retorne ao Brasil cedo no sábado, perdendo a última sessão de trabalho da cúpula que trata de empoderamento da mulher, digitalização e emprego.
Os países-membros do G20, incluindo a União Europeia, representam cerca de 65% da população mundial e 85% da economia global.
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