fonte Correio Brasiliense
O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Dyogo Oliveira, que acaba de completar dois meses à frente da instituição, afirma que houve exagero em benefícios nos financiamentos da instituição financeira concedidos no governo da presidente Dilma Rousseff.
Servidor de carreira do Ministério do Planejamento, Oliveira era, à época, adjunto de Nelson Barbosa na Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda. Mas diz que os técnicos não tiveram voz na avaliação se os benefícios eram corretos ou não. Por isso, ressalta, é importante os eleitores escolherem bons administradores públicos nas eleições de outubro: sem boas decisões no topo, não há aconselhamento de assessor que coloque o país no caminho correto. No início do governo Temer, Oliveira, secretário executivo no Planejamento, tornou-se ministro interino da pasta quando Romero Jucá foi afastado por suspeita de corrupção. Acabou efetivado.
Apesar da crítica aos subsídios excessivos, Oliveira ressalva que responsabilizar o programa com juros baixos para a compra de veículos de carga pelo movimento que parou o país no mês passado é um equívoco. “O problema dos caminhoneiros não é excesso de caminhão, mas falta de rentabilidade”, afirma. A principal causa do impasse, portanto, é a recessão.
Idealizador do programa de saques das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que ajudou a salvar a economia no ano passado, Oliveira explica que a recuperação da atividade perdeu a força devido à decisão do Congresso de enterrar a reforma da Previdência. Além de resolver essa pendência, o próximo governo não poderá recuar, alerta, em relação ao que já se conseguiu no esforço de equacionar os impasses fiscais. “A sociedade não pode abrir mão do teto de gastos”. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.
O senhor integrou as equipes econômicas dos governos Lula, Dilma e Temer. Olhando para a situação crítica das contas públicas, um dos principais fatores que levaram ao quadro crítico atual foi justamente a política de subsídios dos financiamentos junto ao BNDES e da qual o senhor participou. Como o senhor analisa aquela tomada de decisão? Ela foi equivocada?
Primeiro, só uma qualificação pessoal. Eu tinha cargo no governo em que nem todas as decisões passavam por mim ou não me cabiam. Por exemplo, o PSI, com juros de 2,5% ao ano. Isso não passou por mim e ninguém me perguntou nada daquilo.
O senhor teria autorizado? Essa medida, segundo alguns especialistas, é um dos fatores do excesso de oferta de caminhões e que levou à greve dos caminhoneiros.
Foi uma surpresa quando ficamos sabendo daquela taxa de 2,5% ao ano do PSI. Essa questão do excesso de subsídios no BNDES foi uma política que deu errado, porque não vimos o aumento de investimento que era esperado. Em muitos casos, as empresas, inclusive, faziam arbitragem com o dinheiro do BNDES, ou seja, aplicavam ganhando mais do que pegavam no empréstimo.
Isso era uma coisa que dava para ver naquele momento? O governo podia ter sido alertado do risco?
Olhando isso hoje, vemos que foi um equívoco. Mas olhar depois e avaliar o que aconteceu é sempre mais fácil. Naquele momento, o mundo estava saindo de uma grande crise e não se sabia qual seria o impacto no Brasil. Houve críticas. Não achávamos necessário um subsídio com uma taxa de juros negativa, menor do que a inflação. Havia certo exagero. A gente se manifestou à época sobre isso, mas a minha condição não era de decidir todas as coisas. Eu sempre digo: não adianta querer substituir uma decisão política pela decisão técnica. Portanto, é muito mais importante escolher quem são esses agentes do que achar que vai ser criada uma supertecnocracia que vai tomar as decisões que os gestores públicos deveriam tomar. O caminho é ter realmente bons gestores públicos e tomar boas decisões.
E sobre a questão do excesso de caminhões?
Em relação a essa questão, a leitura que se tem hoje está totalmente equivocada. Não foi o PSI que levou a um excesso de caminhões. Sequer há evidência de que exista esse excesso. Um levantamento que fizemos até o mês passado mostrava que as vendas de caminhões estavam crescendo 50% neste ano em relação ao ano passado. A média de idade da frota, de mais de 10 anos, é sim um problema. Ela aumentou nos últimos anos. A nossa avaliação sobre a greve dos caminhoneiros é a seguinte: o problema dos caminhoneiros não é excesso de caminhão, mas falta de rentabilidade. O caminhão não está gerando mais renda pelo fato de que há menos carga, porque o país ainda não conseguiu ter uma aceleração da economia conforme era desejado. Nosso objetivo com esse diagnóstico é evitar uma decisão errada no futuro. Vamos precisar muito de caminhão quando a economia voltar a crescer, porque é ele que move o país.
Esse governo está aí há dois anos. O que deu errado? Por que a aceleração não veio?
Não deu errado. Deu certo. O país saiu, na verdade, de três anos de recessão brutal se considerarmos que, em 2014, o PIB (Produto Interno Bruto) foi zero e, em 2015 e em 2016, o país encolheu 3,5% em cada ano. Não é trivial sair de uma recessão dessas. Ela é diferente de outras crises que o país teve antes e que duravam apenas dois ou três trimestres. Nesse período de recessão longa, de três anos de queda, houve uma deterioração do tecido econômico. As empresas estão fragilizadas e as famílias, endividadas. O processo que tivemos no ano passado foi o início da desalavancagem, no qual elas vão reduzindo o endividamento. O que elas ganham de renda não colocam direto no consumo. Tiram uma parte para pagarem suas dívidas.
O que será mais importante neste ano: a eleição presidencial ou a composição de bancadas no Congresso para aprovar uma agenda de projetos e reformas desafiadoras?
A relação de forças entre o Executivo e o Legislativo mudou consideravelmente nos últimos dez anos. Havia uma proeminência do Executivo dentro da organização do Estado brasileiro e isso veio mudando ao ponto de o presidente Michel Temer ter se referido a uma espécie de semiparlamentarismo e de presidencialismo de diálogo. Expressões dessa natureza revelam que a relação entre os poderes mudou. O Judiciário também ganhou uma proeminência que não tinha historicamente. Atualmente, temos os Três Poderes com pesos e com forças políticas bastante próximos. Portanto, nunca foi tão importante estar atento à composição do Congresso Nacional. É uma mudança estrutural. Qualquer governo precisa ter uma base forte no Congresso forte e isso independe da época e de qualquer coisa. Só é possível avançar com uma base forte.
O senhor fez uma referência ao Judiciário, que ganhou mais relevância e peso político. Isso é positivo ou negativo? Há críticas ao fato de tomarem decisões que seriam dos legisladores.
É positivo esse equilíbrio de poderes. O Judiciário não tem elementos para legislar, o que não raro acontece é que, ou não há uma legislação própria, ou a que existe não é suficientemente clara. O positivo é que, havendo esse maior equilíbrio entre os poderes, com o passar dos anos, teremos soluções mais equilibradas do ponto de vista da sociedade.
É mais difícil a vida do administrador público nessa mudança da correlação entre os poderes?
A vida do administrador público tem se tornado mais difícil a cada ano pela complexidade dos problemas que temos que lidar e porque estamos num momento em que há, por conta de tantas denúncias, uma preocupação do controle adicional. Muitos gestores têm evitado tomar decisões que seriam normais porque, no momento, há uma percepção de risco muito elevada. Isso atrapalha um pouco a administração pública.
O que pode ser feito pelo BNDES para aumentar os investimentos?
O banco deve continuar fazendo o que tem feito durante a gestão do presidente Temer. De um lado, tem contribuído até para a estabilização das contas públicas, devolvendo recursos antecipadamente (para o Tesouro Nacional). Isso ajuda muito para a perspectiva de mais estabilidade das contas públicas. E, do outro lado, oferecer linhas crédito cada vez mais adaptadas, mais ágeis, mais adequadas às necessidades do investimento do país. São essas duas direções que o banco tem que trabalhar. Fazer uma distribuição de recursos mais pulverizada e entregar o dinheiro na hora em que o empresário precisa. O que temos feito é adaptar os produtos para diferentes públicos.
Por exemplo?
O capital de giro para a pequena empresa tem taxa fixa, tem taxa variável, tem com máquina e equipamento junto, tem sem equipamento. Estamos diversificando os produtos e os processos para contribuir neste momento de retomada da economia um pouco mais lento do que gostaríamos.
Esse problema da falta de impulso na recuperação não tem nada a ver com o componente de falta de oferta de crédito?
Do ponto de vista do BNDES, não. O banco tem tido uma liquidez bastante elevada ao ponto de podermos antecipar o pagamento de empréstimos ao Tesouro Nacional. Temos atendido plenamente a demanda que chega ao banco. A partir de 2014, houve um processo de restrição de crédito. Os motivos que levaram a isso são variados. O principal deles, do ponto de vista da percepção do sistema financeiro, é a inadimplência, que é elevada, e, em algumas linhas de crédito, ficou entre 10% e 15%. E há um processo de desalavancagem das empresas, ou seja, um mecanismo de autorregulação. Essas duas coisas estão acontecendo simultaneamente. Resultado disso: o total de crédito na economia cai.
Quando vai mudar?
Estamos passando por um ponto de reversão. E esse processo, curiosamente, ocorre junto também com outro processo importante: o aumento de participação do mercado de capitais. Até o mês passado, no acumulado de 12 meses, a concessão de crédito para as empresas teve uma queda de 2,9%. Quando somamos as captações via mercado de capitais, há um crescimento de 12%, nesse período, com processos de abertura de capital e lançamento de debêntures. As empresas, não só inverteram essa trajetória, como mudaram a composição. Estão captando mais em mercado de capitais e menos, no mercado financeiro tradicional.