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terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Protestos no Irã: como uso do celular pode levar à prisão no país


"As forças de segurança estavam prendendo uma mulher", diz ele. "Depois que ajudei ela a escapar, um policial me derrubou no chão."

"Então, dois policiais colocaram os pés em cima das minhas costas e no meu rosto, me imobilizando no chão, e um terceiro me bateu por vários minutos."

Eles fizeram uma pausa e pediram seu celular — ele entregou. Quando também obtiveram sua senha, ele foi colocado em uma van.

Por segurança, vamos manter ele e outros personagens desta reportagem em anonimato.

"Eles continuaram a me bater enquanto outro policial desbloqueava meu telefone e começava a vasculhar", diz ele à BBC.

"Depois de alguns minutos, ele anunciou: 'Não tem nada'. Finalmente, me deixaram ir."

Segundo ele, os policiais só checaram sua galeria de fotos para ver se ele havia filmado os protestos.

Se ele tivesse essas imagens no telefone, poderia ter sido acusado de "propaganda contra o Estado", como tantos outros manifestantes.

O regime iraniano está tentando endurecer a repressão.

O Parlamento está analisando atualmente um projeto de lei que puniria a filmagem e o compartilhamento de imagens de "crimes".

O ato renderia até cinco anos de prisão — e a expectativa é de que inclua qualquer filmagem de protestos "ilegais".

O Parlamento também está analisando uma emenda ao código penal para amordaçar celebridades — que foram alguns dos mais proeminentes apoiadores dos manifestantes.

Se uma celebridade fizer uma "declaração falsa" — que pode ser qualquer coisa que cause distúrbios —, ela pode ser condenada a até 15 anos de prisão.

Pena de morte no Instagram

O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, identificou o "ciberespaço" como um campo de batalha e pediu repetidamente às autoridades que "lutem contra a guerra híbrida dos inimigos".

Ele diz que qualquer forma de dissidência é obra dos EUA e de seus aliados.

Outro jovem me contou que ele e outros manifestantes foram ameaçados de "estupro, execução e prisão de familiares" para forçá-los a desbloquear seus celulares para buscas.

Ele foi detido em um depósito junto a outras 300 pessoas em setembro.

Eles foram então coagidos a assinar falsas "confissões".


A Justiça do Irã também publicou supostas capturas de tela de stories do Instagram e bate-papos online para "provar" a culpa de um jovem condenado à morte.

Mohammad Boroughani, de 19 anos, foi condenado por "hostilidade contra Deus" e acusado de esfaquear um oficial de segurança, além de "encorajar" as pessoas a participar dos protestos.

Depois que pessoas se mobilizaram nas redes sociais e protestaram na porta da cadeia onde ele está preso, seu caso foi enviado de volta à Suprema Corte para ser revisado.

Afsaneh Rigot, pesquisadora de tecnologia, legislação e direitos humanos da Universidade Harvard, nos EUA, diz que os dispositivos móveis estão sendo convertidos em "cenas de crimes".

Ela estuda o uso de "provas digitais" na perseguição de pessoas LGBTQ no Oriente Médio e Norte da África há uma década.

"Estamos vendo essa tática ser usada principalmente em contextos repressivos, em que os sistemas de Estado e policiamento buscam processar (as pessoas) por crimes de pensamento, expressão e até identidade."

Ela diz que evidências digitais obtidas "muitas vezes ilegalmente", como fotos, vídeos ou até mesmo a instalação de alguns aplicativos, são tratadas como provas concretas.

Elas são então usadas ​​para respaldar os processos durante "julgamentos de fachada", quando o histórico de navegação de alguém é, na melhor das hipóteses, um indício.

"Em países como o Irã, que criminalizam pessoas LGBTQ e crimes de pensamento e resistência, a presunção de inocência não existe", diz ela.

"Você é presumidamente culpado, e as provas só precisam ser encontradas ou forjadas."

Buscas direcionadas

Dispositivos eletrônicos são rotineiramente apreendidos sem mandados ou o devido processo legal.

A casa da família de um jornalista em Teerã foi invadida em outubro por uma dúzia de agentes do Ministério da Inteligência.

Ele ficou detido por semanas. Mas não foi a única pessoa afetada pela operação.

Policiais à paisana apreenderam os celulares de todo mundo e, na sequência, revistaram os aparelhos das pessoas com menos de 40 anos em busca de "evidências" digitais.

Um jovem presente disse à BBC que os agentes vasculharam as conversas do WhatsApp, Telegram e Instagram. Eles também checaram postagens de rede social, mas estavam focados principalmente nas galerias de fotos.

"Um dos policiais começou a me questionar sobre o que ele descreveu como roupa 'não convencional' de uma mulher em uma das minhas fotos de família", ele relembra.

"Quando comecei a discutir com o policial dizendo que aquelas fotos eram particulares, de família, o líder da equipe de policiais interveio e disse: 'Só procure fotos e vídeos de protesto! Ignore fotos pessoais'."

Ele acredita que os agentes focaram neles por causa da idade e origem — como os mais propensos a se mobilizar nas ruas.

"Eles só querem garantir que o mundo não veja imagens dos protestos."

Desde que as autoridades iranianas começaram a executar manifestantes, as mobilizações de rua se tornaram mais esporádicas e o epicentro do movimento de protesto mudou para os funerais.


O regime também mantém um controle rígido sobre a mídia.

Todas as emissoras são controladas pelo Estado, e os jornais repetem a narrativa oficial.

O Estado também recorre a proibições, ameaças e prisões para silenciar as publicações que criticam as políticas do governo.

Com a mídia convencional amordaçada, a maioria dos iranianos depende de canais de TV transmitidos via satélite para o país e da internet para obter notícias.

De acordo com estatísticas divulgadas pelo governo iraniano, 70% dos 84 milhões de habitantes do país usam internet, embora o Irã tenha um dos espaços online mais censurados do mundo.

Todas as plataformas populares de rede social e ferramentas de troca de mensagem são proibidas no Irã.

Para driblar essas restrições, as pessoas usam redes privadas virtuais e servidores proxy, que também estão na mira do Estado.

Para Afsaneh Rigot, que também é pesquisadora do grupo de direitos humanos Article 19, nada disso é novo, mas os riscos são muito altos.

"Nas mãos de Estados autoritários, a evidência digital é uma arma muito perigosa."

 

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