Fonte: Dw
A vitória militar estava próxima, talvez já estivesse até garantida. De cidade em cidade, de região em região, nos últimos meses o regime sírio, apoiado pela Rússia, o Irã e o Hisbolá, vinha retomando o poder, readquirindo controle sobre os territórios ocupados pelos rebeldes, tanto laicos como fundamentalistas islâmicos.
"Não existe outra opção, senão vencer", declarava o presidente Bashar al-Assad recentemente, em entrevista ao jornal croata Vecernji List. Ele apresentava a vitória como dever político: "Se não vencermos esta guerra, a Síria desaparecerá do mapa." Por isso seu governo não tinha alternativa senão se embrenhar na guerra.
A entrevista se realizou ainda na semana passada, Por que, diante do triunfo militar iminente, poucos dias depois o regime de Assad lançou um ataque com gás tóxico num bairro habitado por civis da cidade de Khan Cheikhun, como sugerem numerosos indícios, é difícil de explicar.
Em princípio, para Assad todos os meios são válidos: as vítimas da ofensiva química se reúnem aos milhões de outros sírios, desalojados, feridos ou mortos pelo regime, pontifica o jornal Al-Araby al-Jadeed.
No entanto o regime deveria saber que estava ultrapassando uma "linha vermelha" com o emprego do gás tóxico. Até porque em 2013 ele já lançara um ataque químico contra a própria população. O então presidente americano, Barack Obama, chegou a anunciar que puniria o ato com sanções, mas não concretizou a ameaça.
De vilão a esperança da oposição síria
Em tais circunstâncias, afirma o analista político Abdelrahman al-Rachid, em artigo no jornal Sharq al-Awsat, um único motivo explica a ofensiva com gás tóxico: "Os aliados da Síria, sejam os russos ou os iranianos, querem testar o campo de ação e o poder de determinação de Assad. Possivelmente querem também tentar debilitá-lo. Afinal de contas, o próprio Trump criticara a fraqueza do governo Obama por ocasião do primeiro ataque químico."
Embora russos e iranianos rechacem a tese de um bombardeio químico pelo regime Assad, agora é patente que a administração Trump está decidida a intervir no conflito sírio. O ataque com mísseis contra a base aérea síria de Al-Shairat, ordenado pelo presidente americano na madrugada da sexta-feira (07/04), pode ser interpretado como uma mensagem, a Assad e a ambas as potências que o protegem, de que os Estados Unidos não estão mais dispostos deixá-los agirem sozinhos na Síria e na região.
Essa dinâmica também já se anuncia no campo diplomático: a embaixadora americana na ONU, Nikki Haley, caracterizou o presidente sírio como "criminoso de guerra". Fato que representantes da oposição síria avaliam como sinal positivo.
"De repente, vemos que Assad é tratado com mais seriedade por Trump do que foi por Obama", comenta o oposicionista fundador do Partido da Modernidade e Democracia Firas Qassas, que atualmente vive exilado na Alemanha. Ele não descarta que a ofensiva americana possa reverter a atual evolução do conflito em favor dos interesses da oposição secular síria. "Talvez encontremos em Trump, de fato, um real parceiro para transformar a Síria num país verdadeiramente livre e democrático". especula Qassas.
Ação com consequências em aberto
Outras vozes são menos otimistas. Abdel Bari Atwan, influente colunista da revista online Rai al-Youm, teme que possa ocorrer uma escalada militar, inclusive com uma confrontação entre os EUA e a Rússia, "que poderá se prolongar por anos e adotar uma trajetória imprevisível".
Certo está que há muito em jogo no Oriente Médio. A Síria é o epicentro de um confronto envolvendo protagonistas nacionais, regionais e internacionais. Agora Washington pode ter dado um passo que fará o conflito até então latente desembocar em embate aberto.
Escrevendo para o jornal Al Hayat, a analista Raghida Dergham presume: Trump pode ter reconhecido que, no contexto da atual situação, não há campo para negociar com seu homólogo russo, Vladimir Putin. Além das razões internas – após uma série de derrotas na política doméstica, Trump precisa urgentemente de vitórias – essa urgência tem sobretudo motivos externos, já que o resultado da guerra da Síria poderá acarretar uma reorganização fundamental da região – para desvantagem dos EUA.
Caso Assad vença, Teerã estará significativamente mais perto da meta de uma faixa de terra de dominação xiita, indo desde o Irã até o Líbano. "A administração Trump não pode aceitar a ligação estreita de Moscou com a Síria e o Irã", explica Dergham. "Pois, em troca de seu engajamento do lado de Moscou, o Irã exigirá que a Rússia abone o projeto da lua crescente xiita."
E isso é justamente o que os EUA, tradicionalmente aliados das nações sunitas, não podem permitir. O país já perdeu grande parte de seu peso político, sobretudo durante os anos Obama, e poderá cair ainda mais, caso mantenha um curso reticente.
Agora Trump reagiu, numa ação com consequências em aberto. Muito é possível, observa Abdelrahman al-Rashid: o ataque poderá suscitar confrontos diretos entre os EUA e a Síria, assim como os aliados desta, ou o recrudescimento do terrorismo xiita. Também não estão descartados ataques contra alvos dos EUA no Iraque e sequestros de cidadãos americanos no Líbano, enumera o politólogo árabe.
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