Fonte: DW
Algumas perguntas simplesmente se recusam a ir embora. A que persegue a chanceler federal alemã, Angela Merkel, neste seu breve giro pela América Latina, é se ela almeja um papel de liderança mundial, agora que os Estados Unidos vão subindo a ponte levadiça em relação ao resto do mundo.
A resposta curta é: não, não há qualquer sinal de tal intenção. Pelo contrário, a chefe de governo conservadora tem repetidamente enfatizado sua missão de preparar a cúpula do G20, a fim de dispersar a impressão de qualquer tipo de aliança anti-Trump.
O encontro do G7 na Sicília, em maio, comprovou que uma dinâmica de seis contra a potência mundial EUA só aprofunda os cismas já existentes no Ocidente. Com a conferência de cúpula do G20 programada para julho na Alemanha, qualquer tipo de cenário "19 contra um", entre o presidente americano, Donald Trump, e as demais principais economias, se transformaria em sujeira para Merkel limpar. Ou pior: poderia ser visto como uma sujeira criada, em parte, pela incompetência dela como líder.
Agora, a questão real: o vácuo criado por Trump na América Latina – e, ainda mais alarmante, no resto do mundo – vai permitir a Merkel escapar do papel de "líder por falta de alternativa"? Também aqui, a resposta curta é "não". O giro da premiê pela Argentina e o México tem confirmado isso continuamente.
Encurralado pelo populismo de esquerda
No México, segunda e última parada de Merkel depois da Argentina, ela se encontra com Enrique Peña Nieto, presidente do país com o maior número de acordos de livre-comércio do mundo. Mesmo assim, contudo, com 80% das exportações indo para o poderoso vizinho ao norte, o México vive numa coleira curta, que os EUA seguram bem firme.
Acrescentando-se a ameaça do ainda ilusório muro de fronteira, tem-se uma ideia do sofrimento diário que é para Peña Nieto tentar rechaçar a ascensão do populismo de esquerda em seu país. Tudo isso se traduz em dinamite política, podendo resultar na queda de seu Partido Revolucionário Institucional (PRI) nas eleições de 2018.
O populismo mexicano se alimenta do sentimento antiamericano, o qual, não é de espantar, bate no teto desde a posse de Donald Trump. Não há dúvida de que o México saudará qualquer tipo de respaldo que Merkel tenha a oferecer. E ela está acompanhada por uma poderosa delegação de negócios, com bilionário valor potencial de investimentos.
Alternativa para o gelo comercial americano
Outra meta para o presidente mexicano é avançar o mais rápido no acordo de livre-comércio entre seu país e a União Europeia, num momento em que os EUA pressionam pela renegociação do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta, na sigla em inglês), que inclui também o Canadá.
Da agenda dos líderes comerciais alemães consta um encontro com o renegociador-chefe mexicano do Nafta, Ildefonso Guajardo. Eles têm muito sobre que conversar. Há poucos sinais de que Washington esteja ciente daquilo que diversos líderes do comércio internacional já percebem como fato: onde os EUA se retirarem, outros logo agarrarão as oportunidades comerciais livres.
O ângulo otimista da política trumpista em relação ao México é que aquilo que atualmente soa como uma ameaça de morte para a indústria do país pode se transformar em catalisador involuntário para um futuro mais diversificado. Por outro lado, a geografia também desempenha um papel no comércio global, e essa perspectiva poderá se provar demasiado ambiciosa.
Liberdade de imprensa, crise migratória
Mas encontrar-se com Merkel significa mais do que negócios para Peña Nieto. Ele não é conhecido como paladino na livre imprensa, menos ainda por responder às perguntas desta. Mas atualmente uma série de assassinatos de jornalistas que noticiavam sobre os cartéis das drogas mostra como é mortal o aperto do narcotráfico contra as estruturas estatais mexicanas.
Uma vez que Merkel insistiu em se encontrar com organizações da sociedade civil, durante de sua estada de 20 horas no país latino-americano, a esperança é que o presidente também comece a reconhecer o papel da livre imprensa como uma aliada no combate ao crime – em vez de inimiga na batalha diária do chefe de Estado para controlar sua imagem pública.
Desde 2015, Alemanha e México também compartilham uma experiência que transformou ambos os países. A chanceler federal tem relativamente pouca experiência em lidar com grandes contingentes de imigrantes. A maior parte de cerca de 800 mil migrantes, muitos fugindo da guerra na Síria, chegou à Alemanha dois anos atrás, quando Merkel suspendeu as regras vigentes da UE para requerentes de asilo.
Nesse tópico, o México tem certa dianteira, por ser, há décadas, tanto rota de trânsito quanto país de origem para milhões que procuram uma vida melhor nos Estados Unidos. Com a ameaça do "muro de trump", o México vem intensificando os esforços para sustar o fluxo migratório da América Central e do Sul em direção à fronteira americana. Merkel espera conquistar o apoio mexicano para a iniciativa que lançará no G20, de melhorar as condições de vida nos países africanos de onde vêm muitos dos refugiados na Europa.
Drama político ou meias palavras
Peña Nieto e Merkel são bem mais distintos em estilo político do que a premiê e o presidente da Argentina, Mauricio Macri, que ela visitou na primeira parte do giro-relâmpago.
Enquanto os dois últimos são surpreendentemente parecidos, com seu jeito calmo e controlado e linguagem objetiva, o chefe de Estado mexicano é mais inclinado a um pouco de drama político e sem medo de estabelecer publicamente "linhas vermelhas", também em relação aos EUA.
Quando Trump o convidou à Casa Branca para conversar sobre o muro fronteiriço, Peña Nieto mandou dizer que estava indisponível. Embora ela mesma não seja a interlocutora mais direta do mundo, Angela Merkel costuma valorizar parceiros que deixem clara a própria posição.
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