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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Há 40 anos, Câmara derrubava emenda das eleições diretas


 

Foto: Senate Archive

Vinte anos depois do golpe militar que instituiu a ditadura no Brasil, a Câmara dos Deputados tinha uma pauta histórica no dia 25 de abril de 1984. Na data, foi votada a proposta de emenda conhecida como Dante de Oliveira, apresentada um ano antes, que pretendia alterar a Constituição em vigor desde 1967 e reinstaurar as eleições diretas para presidente da República.

A pressão popular era imensa a favor da emenda, quatro anos depois do movimento Diretas Já ganhar corpo e mobilizar as ruas do país. De acordo com levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) naqueles dias, 84% dos brasileiros queriam votar para presidente.

No plenário, o placar foi amplamente favorável: 298 parlamentares aprovaram a emenda, com 65 contrários e três abstenções. Entretanto, os números não foram suficientes. Com 113 ausências, o número mínimo de votos favoráveis para uma mudança constitucional não foi atingido — seriam necessários 320 votos, ou seja, dois terços da Câmara.

"A derrota foi uma ducha de água fria no movimento que havia sido criado para a aprovação da emenda, nas pessoas que foram mobilizadas. Foi uma grande decepção", avalia o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "A reação foi de inação: ninguém via muito o que fazer, a sensação era de que ‘perdemos' e não se podia nada fazer."

"Foi um momento, não diria de descrença, mas de desilusão com relação à possibilidade de eleição direta que poderia, de alguma forma, antecipar alguns processos que só iriam ocorrer na década de 1990, no que diz respeito à democracia e democratização social", acrescenta o historiador Victor Missiato, pesquisador na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ele abordou o tema em sua dissertação de mestrado.

A rejeição da emenda fez com que a eleição para presidente da República do ano seguinte fosse mais uma vez indireta. E os brasileiros só iriam às urnas para eleger o chefe do Executivo novamente em 1989, um ano depois de a democracia ter sido garantida de forma plena com a Constituição de 1988.

Longa transição

Professor na Universidade Federal Fluminense (UFF), o historiador Daniel Aarão dos Reis considera importante fazer uma conceituação sobre qual foi, de fato, o período da ditadura no Brasil. Para ele, o marco cronológico criado, ou seja, de 1964 a 1985 — com a eleição indireta de Tancredo Neves, quebrando a série de presidentes militares — é "uma baita incoerência".

"A transição da ditadura para a democracia foi longa, cheia de negociações", afirma. "Começou com a política do [presidente militar Ernesto] Geisel, em 1974, e foi se transformando ao longo do tempo. Para mim, ela terminou em 1979 quando os atos institucionais foram revogados e, então, acabou o Estado de exceção no Brasil."

Ele argumenta que, desde então, não havia mais censura, voltaram os exilados, houve eleições livres para governadores em 1982, três greves gerais e todo o movimento das Diretas — sem repressões. "Que ditadura era essa?", provoca. "O que ocorria era que o Brasil continuava regido pelo entulho autoritário. Era uma barafunda terrível, mas não mais uma ditadura."

"Agora, realmente, a transição só iria se completar com a Constituição de 1988", pontua.

De 1984 a 1988

A rejeição da emenda Dante de Oliveira, portanto, está neste contexto. E, no parlamento, a frente heterogênea das Diretas tinha representantes distintos. "Eram políticos moderados, como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Franco Montoro. E esses políticos estavam já envolvidos nas articulações que levariam à vitória do Tancredo nas eleições indiretas", contextualiza Reis.

"Nos bastidores já havia a articulação para que Tancredo fosse o escolhido e isso, de certa forma, era uma compensação, pois alguém da oposição iria assumir", analisa Sá Motta. O historiador diz que a base governista tinha "medo" de que um "candidato mais ousado" surgisse com as eleições diretas, tornando a transição mais intransigente com os militares.

"Se [as diretas] fossem aprovadas, provavelmente o candidato vitorioso seria o Ulysses Guimarães, mais radical em seus discursos e posicionamentos com relação à transição do regime militar para a democracia no Brasil. Tancredo era visto como um negociador que estabeleceria mais pontes justamente com a Arena [o partido que sustentava o regime, na época já rebatizado como Partido Democrático Social, o PDS] e os militares", diz Missiato.

Segundo ele, o discurso das diretas era hegemônico "de dentro para fora" da Câmara. "De fora para dentro, a perspectiva de negociação política era outra", compara.

O que parecia consenso entre todas as alas era que a ditadura chegava ao fim. E que o próximo presidente, mesmo eleito por vias indiretas, seria um civil — independentemente do espectro político.

"Já não havia ditadura, por isso não se pensava em continuidade do regime. Havia a perspectiva, dentre os que se levantavam contra a emenda, de manter a hegemonia do PDS, o partido herdeiro da Arena. Eles estavam convencidos que, se a eleição se mantivesse indireta, o partido ganharia", diz Aarão.

Não contavam com um movimento de antigos apoiadores civis da ditadura, como José Sarney e Antonio Carlos Magalhães, de se aliarem aos moderados da oposição. Sarney, inclusive, se filiaria ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), para compor a chapa com Tancredo Neves — na época era preciso que o cabeça e o vice fossem da mesma legenda.

Pelo lado do PDS, o nome considerado mais forte era de Paulo Maluf. "Era uma candidatura percebida como frágil. Mas mesmo com ele, seria uma mudança porque seria um civil governando os restos da ditadura", avalia Sá Motta.

Para os historiadores, a consequência da derrota da emenda, mais do que postergar as eleições diretas, foi o arranjo final da redemocratização brasileira, com a Constituição de 1988. Em vez de uma "caça às bruxas", responsabilizando a cúpula militar que chefiou a ditadura, houve um acordo consensual, mantendo privilégios.

" O movimento das Diretas não se estruturou em torno de um plano político, mas de um ponto exclusivo, as eleições diretas para presidente. Era uma frente heterogênea, e isso teve um impacto direto, positivo, na constituinte. A frente heterogênea se diluiu na constituinte", explica Reis.

Para Missiato, como as negociações "percorreram toda a formação do texto constitucional", foram mantidas autonomias a "várias prerrogativas dos militares". Ele elenca a constitucionalização das polícias militares, a militarização da segurança pública e "o controle do tema da defesa por parte os militares".

"O fato de a institucionalidade ter preservado muito das autonomias militares é um problema para a democracia, e a gente vê isso até hoje no escasso debate sobre o controle civil da defesa", comenta ele.

Dante de Oliveira

A proposta de emenda constitucional era clara e simples. Previa que o presidente e o vice seriam "eleitos, simultaneamente, entre os brasileiros maiores de 35 anos e no exercício dos direitos políticos, por sufrágio universal e voto direto e secreto, por um período de cinco anos".

O autor do texto, o engenheiro civil e político Dante Martins de Oliveira (1952-2006) tinha sido deputado estadual do Mato Grosso de 1979 a 1983 e, na época, era federal pelo mesmo estado — posto que ocupou de 1983 a 1986. Era filiado ao PMDB e, em sua biografia, havia a participação na militância do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), durante a ditadura.

Também foi prefeito de Cuiabá em três momentos — em 1986, de 1987 a 1989 e de 1993 a 1994. De 1986 a 1987 foi ministro da Reforma e do Desenvolvimento Agrário. Por dois mandatos consecutivos, de 1995 a 2002, governou o estado do Mato Grosso.

Depois do PMDB, foi filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), de 1990 a 1997, e ao Partido da Social Democracia Brasileira (PDSB), de 1997 até sua morte. Morreu em 2006, aos 54 anos, vítima de pneumonia.

DW



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