Fonte: IstoÉ
O procurador da República, Roberson Pozzobon, 32 anos, um dos 11 integrantes da “República de Curitiba” da Lava Jato, avalia que as medidas em discussão no Congresso para dificultar o trabalho do Ministério Público e de juízes no combate ao crime organizado guardam um significado perverso: no momento em que se exige recato, muitos políticos ainda vislumbram a impunidade e não têm pudores em buscar a própria sobrevivência. Para o procurador, esses políticos deixam claro que se arrependeram de terem aprovado leis que possibilitam agora que seus crimes sejam descobertos. Pozzobon também é um critico ferrenho da manobra parlamentar em favor da anistia ao caixa dois. Segundo ele, a prática, além de vir acompanhada de crimes como fraudes licitatórias e lavagem de dinheiro, foi uma forma encontrada pelos políticos para obter propinas e utilizar os recursos para o enriquecimento ilícito.
Como o senhor vê a série de iniciativas do Congresso Nacional que objetivam dificultar a ação dos procuradores e magistrados que trabalham no combate à corrupção?
O Congresso Nacional possui a missão de representar os interesses da população brasileira. Enfrentamos um grande problema, contudo, quando tais agentes políticos deixam de representar os interesses daqueles que lhes concederam o voto para simplesmente defender os interesses daqueles que financiaram suas campanhas, licita e ilicitamente, ou para legislar em exclusiva causa própria. É preciso elogiar algumas importantes leis que foram aprovadas recentemente no Congresso, entre as quais a que disciplinou o instituto da colaboração premiada. Foi por meio da celebração de acordos de colaboração premiada e de leniência que a força-tarefa Lava Jato conseguiu reunir provas fortes para processar um gigantesco esquema criminoso de corrupção que envolveu grandes empresários, operadores financeiros, agentes públicos e políticos. Entretanto, alguns agentes políticos se arrependeram dessa e de outras leis que possibilitam que seus crimes sejam descobertos. Por não conseguirem simplesmente revogá-las, buscam aprovar novos projetos de lei que servem apenas para enfraquecer recursos imprescindíveis para o enfrentamento da corrupção como os acordos de colaboração e leniência, ou para constranger e impedir o livre exercício da profissão pelos membros do Ministério Público e do Judiciário. Para essa última finalidade, destaca-se o projeto de lei de abuso de autoridade.
O senhor acha que o projeto contra o abuso de autoridade que o senador Renan Calheiros quer aprovar, com a punição por crime de responsabilidade a membros do MPF e juízes, é uma ameaça à Lava Jato?
Neste ponto é preciso tomar muito cuidado para não formar juízos equivocados. Procuradores da República e juízes não são, nem nunca foram, isentos de responsabilidade. Eles devem responder por eventuais abusos no exercício de suas atividades profissionais, mas para isso já há no ordenamento jurídico diversas previsões legislativas para responsabilização penal, civil e administrativa. Não podemos esquecer, inclusive, a existência e funcionamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgãos fiscalizadores dos membros do Judiciário e do Ministério Público. A questão, portanto, não está na possibilidade ou não se responsabilizar membros do Judiciário e do Ministério Público, sendo óbvio que todos devem estar submetidos a responsabilização por desvios de conduta, mas em como e por quais motivos haverá responsabilização. A forma com que a discussão sobre o assunto está sendo conduzida e as condutas que alguns agentes políticos pretendem estabelecer como crimes de responsabilidade de membros do MP e do Judiciário não são pertinentes, pois serviriam para que tais profissionais fossem perseguidos por aqueles que os investigam e processam.
O senhor vê uma iniciativa dos políticos desejarem enterrar a Lava Jato?
Não é possível generalizar, pois existem diversos deputados e senadores exercendo a boa política e efetivamente buscando fortalecer nosso ordenamento jurídico para solucionar o problema de corrupção endêmica que assola nosso país. Por outro lado, basta acompanhar os debates no Congresso para perceber que há muitos agentes políticos, já investigados ou com perspectiva de serem implicados pelas investigações em curso na Operação Lava Jato, que vislumbram na aprovação de leis de contenção e retrocesso a última alternativa para a impunidade e sobrevivência no mundo político. Dentro deste pacote de medidas de desserviço à sociedade estão iniciativas legislativas que servem apenas para amarrar o Ministério Público e Judiciário para que não possam livremente exercer suas missões constitucionais e combater a corrupção, vendar a sociedade para que não saiba o que aconteceu ou ainda está acontecendo e calar aqueles que querem revelar a estrutura de organizações criminosas de que fizeram parte e provas de seu funcionamento.
Como o senhor vê o projeto que visa conceder anistia aos políticos que fizeram caixa dois?
Não existe “caixa 2” correto ou inocente. Ainda assim há agentes políticos que tentam minimizar o recebimento de recursos oriundos de “caixa 2” alegando se tratar de uma prática corriqueira e sem grande potencial ofensivo. Nesse discurso, a prática do “caixa 2” seria uma espécie de contravenção penal do mundo político, um delito de menor importância. Não se trata disso. O “caixa 2” que sai da empreiteira ou empresa para os agentes políticos é, via de regra, formado com recursos ilícitos por elas obtidos mediante a prática de crimes gravíssimos como corrupção, cartel, fraudes licitatórias e lavagem de dinheiro. Quando a empreiteira frauda licitações por meio da corrupção de funcionários públicos e da combinação com concorrentes, obtendo assim lucros sobrevalorados em detrimento do Estado, o valor ilícito adicional não é declarado como lucro perante as autoridades fiscais, mas lavado e transformado em “caixa 2” para o pagamento de propinas destinadas a agentes públicos e políticos, remessa para o exterior, enriquecimento ilícito próprio e de seus executivos e financiamento de campanhas eleitorais. Além disso muito dos valores de “caixa dois”, verdadeiras propinas, repassadas por empreiteiras a agentes políticos sob o pretexto de financiamento eleitoral são, na verdade, por eles utilizados para o enriquecimento ilícito pessoal. Isso ocorre porque certamente é mais fácil e menos agressivo para o político pedir dinheiro para a empreiteira sob o pretexto de financiar sua campanha do que simplesmente pedir propina.
O senhor acha que as propinas pagas a políticos foram muito além de mero caixa dois para as campanhas políticas?
Esse projeto também se insere no contexto em que agentes políticos buscam legislar em causa própria e não em prol daqueles que representam. Não é do interesse da população que o passado seja “esquecido” mediante lei ou decreto, até mesmo porque não se consegue colocar a casa em ordem jogando a sujeira para debaixo do tapete. É preciso dizer ainda que o financiamento de campanhas políticas mediante o emprego de recursos ilícitos oriundos de “caixa dois“ desequilibra o jogo democrático.
O senhor acha que a aprovação das dez medidas contra a corrupção acabará com a impunidade de políticos corruptos e empreiteiras corruptoras?
Nenhum país do mundo está hermeticamente fechado a práticas corruptas, mas alguns são mais permeáveis a elas, como é o caso do Brasil. Contudo, não há qualquer solução mágica para acabar com a corrupção do dia para noite. Uma sensível diminuição da corrupção de um país, notadamente de um país no qual ela se apresenta de forma ampla e generalizada como é o caso do Brasil, depende largamente de um ambiente público e político sadio, no qual corruptores e corrompidos efetivamente sejam punidos. A mensagem de impunidade que a baixa efetividade na aplicação das leis penais e processuais penais brasileiras hoje passa para tais agentes é um grande convite à corrupção e à manutenção de tudo como exatamente está. Nesse sentido, a aprovação das dez medidas contra a corrupção por nossos representantes políticos servirá para amplamente aperfeiçoar o nosso ordenamento jurídico, hoje disfuncional na prevenção e enfrentamento da corrupção. Caso as dez medidas contra a corrupção forem aprovadas serão sanadas uma série de falhas ou lacunas existentes no sistema jurídico, que hoje permitem ou garantem a impunidade. Com a aprovação desse conjunto de medidas legislativas, a prática de crime de corrupção no Brasil se tornará uma prática de grande risco.
O senhor acha que a Lava Jato foi um divisor de águas no combate à corrupção no Brasil, já que até agora políticos e empreiteiros nunca iam para a cadeia?
Por mais que, ao longo de seus mais de dois anos e meio, a Lava Jato tenha se expandido consideravelmente e possibilitado a responsabilização de grandes e poderosos agentes criminosos, não podemos deixar de ter em mente que se trata de um caso criminal em andamento, sem o condão de alterar por si só a realidade criminosa que investiga. Por outro lado a operação Lava Jato serviu para ilustrar de uma forma muito clara, para toda sociedade, os efeitos gravíssimos da corrupção em nosso país. E isso foi a alavanca necessária para que a sociedade se despertasse e buscasse soluções efetivas para resolver o problema da corrupção no país. As mais de 2 milhões de assinaturas de apoio ao projeto das dez medidas contra a corrupção ilustram esse cenário. Mais do que isso, hoje a população acompanha de perto todas as movimentações realizadas no Congresso, se articula e vai às ruas e às redes sociais para apoiar os projetos legislativos benéficos para a sociedade e criticar aqueles que estão em via inversa.
É possível acabar de vez com a corrupção ou ela sempre vai existir?
Não há dúvida que ainda há um longo caminho a trilhar na Lava Jato, pois ainda existem investigações em pleno desenvolvimento e expansão, além de diversos processos judiciais pendentes de julgamento definitivo. Os resultados já obtidos com a Operação Lava Jato, contudo, já serviram para passar à população brasileira uma mensagem de que, sim, agentes criminosos muito ricos e poderosos podem ser responsabilizados penalmente perante à Justiça.
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