Após a queda do antigo governo do Afeganistão, milhares de ex-agentes das forças de segurança enfrentam o perigo iminente do Talibã, que agora governa o país. Organizações de direitos humanos relatam que dezenas deles se tornaram vítimas de assassinatos seletivos e que há muitos outros cujos destinos são desconhecidos.
A Human Rights Watch (HRW) evidenciou tais incidentes em seu relatório de 25 páginas publicado no final de novembro, documentando as mortes e desaparecimentos de ex-membros do Exército afegão, polícia, serviços de inteligência e milícias pró-governo, que se renderam ao Talibã entre 15 de agosto e 31 de outubro.
A organização de direitos humanos afirma ter coletado informações confiáveis sobre mais de 100 assassinatos ou desaparecimentos forçados nas províncias de Ghazni, Helmand, Kandahar e Kunduz. O Talibã rejeita o relatório e o classifica como "sem fundamento".
A DW contatou muitos ex-soldados e oficiais afegãos e questionou sobre os incidentes, mas eles se abstiveram de comentar sobre o assunto. Alguns confirmaram assassinatos e desaparecimentos forçados em todo o Afeganistão, mas, no entanto, pediram para não serem identificados.
Um jornalista afegão na província de Balkh, no norte do país, disse à DW, sob condição de anonimato, que muitos ex-oficiais de segurança afegãos foram mortos em Mazar-e-Sharif nas últimas semanas.
"Mais recentemente, um ex-oficial da Diretoria Nacional de Segurança foi sequestrado em sua casa e, mais tarde, seu corpo foi descoberto em outro lugar", afirmou.
O jornalista acrescentou que os seguranças de dois ex-ministros de Balkh, bem como algumas ativistas da sociedade civil, foram encontradas mortas nos arredores de Mazar-e-Sharif nas últimas semanas.
Qual é a credibilidade da anistia dada pelo Talibã?
Após derrubar o governo de Ashraf Ghani em agosto, o Talibã ofereceu uma anistia geral a todos os ex-funcionários e soldados do governo.
A Human Rights Watch diz que o Talibã obteve acesso aos registros de ex-funcionários do governo e os está usando para prendê-los e executá-los.
"A anistia prometida pela liderança do Talibã não impediu que os comandantes locais executassem sumariamente ou fizessem desaparecer ex-membros das forças de segurança afegãs", disse Patricia Gossman, diretora para a Ásia na HRW.
Autoridades locais do Talibã negam qualquer envolvimento nos assassinatos, alegando que esses incidentes são resultado de rixas pessoais. Os talibãs também afirmam que estão investigando esses incidentes.
Em resposta ao relatório da HRW, as autoridades do Talibã disseram ter demitido 755 membros que consideraram culpados de assassinato, tortura e detenção ilegal. Mas a HRW diz que o grupo não lhes deu nenhuma prova para corroborar sua afirmação.
Sayeed Khosti, um porta-voz do ministério do Interior do Talibã, disse à DW numa mensagem de vídeo que o relatório da HRW "carece de fontes confiáveis".
"Centenas de ex-funcionários e soldados afegãos que mataram muitos afegãos estão vivendo em Cabul e em outras partes do país sem medo", acrescentou.
Ex-pilotos de drones sob ameaça
Jamal Hussain (nome alterado devido a preocupações com segurança), que era piloto de drone das forças dos EUA no Afeganistão, confirmou quatro assassinatos seletivos e desaparecimentos forçados de ex-militares.
"Tenho vivido separado de minha família desde que o Talibã chegou ao poder. Não tenho contato com minha família", disse ele à DW por telefone, de um local desconhecido em Cabul.
Ex-pilotos de drones afegãos, que foram treinados pelas forças da Otan, dizem que se sentem abandonados na atual situação.
"Dois dos meus colegas foram mortos pelo Talibã e outros dois estão desaparecidos. Estamos numa situação miserável", disse Hussain, acrescentando que ex-pilotos de drones não entram em contato um com o outro por medo de que o Talibã possa grampear suas ligações e acessar seus dados.
Hussain disse que a anistia do Talibã tem o objetivo de enganar a comunidade internacional e esconder seus crimes.
Ativistas e juízes enfrentam retaliação
Ex-funcionários do governo e militares não são os únicos que enfrentam retaliação do Talibã. Ativistas de direitos humanos e jornalistas dizem que suas vidas também estão em risco.
Uma juíza do antigo governo afegão fugiu para a Grécia com seus outros seis colegas e suas famílias. No final de outubro, eles se mudaram para o Brasil.
Ela disse à agência de notícias AP que ela e os outros juízes ainda temem o Talibã, pois condenaram alguns de seus membros por vários crimes em seus tribunais.
A mulher, que foi juíza por quase dez anos antes de o Talibã derrubar o governo do ex-presidente Ghani, disse que o Talibã vasculhou recentemente sua casa em Cabul.
Sob o antigo governo apoiado pelo Ocidente, o Afeganistão tinha cerca de 300 juízas. Agora, a maioria delas está escondida. "Sabíamos que eles [o Talibã] não permitiriam o trabalho de juízas. Eles libertaram todos os criminosos que mandamos para as prisões", frisou.
DW
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