( FOTO Magnus Nascimento )
Em contraste com a beleza das paisagens naturais, uma estrutura chama a atenção de quem trafega pela Via Costeira em Natal. Trata-se do hotel abandonado da BRA, embargado há 18 anos, símbolo da insegurança jurídica. Quase duas décadas depois do início da construção, ainda não há definição sobre o que será feito com a estrutura, mesmo com sentença transitada em julgado. No último mês de junho, a Prefeitura de Natal, que é ré no processo, procurou a Justiça e se ofereceu para cumprir a decisão e demolir o 8º andar do prédio, diante da inércia da outra parte que deveria ter cumprido a determinação – no caso, a empresa responsável NATHWF Empreendimentos S/A. A depender do entendimento na Justiça, imóvel pode ser alienado a pedido do Município.
Para a Prefeitura de Natal, existem “sérios indícios de que a empresa não vai levar adiante o projeto”. O procurador-geral do Município, Thiago Tavares de Queiroz, diz que está atuando para conseguir a permissão na Justiça diante das tentativas frustradas de contato com a NATHWF. “Esse é um primeiro momento. Estamos trabalhando para ter o permissivo legal para que ele volte a tentar captar investimentos e voltar o projeto do hotel. Se o juiz der autorização, o Município vai realmente fazer a demolição desse andar”, destaca.
Em um segundo momento, caso a demolição seja autorizada, a ideia é avançar para outras medidas, conta Tavares. “Quando se passa ali pela Via Costeira, aquilo é o sinônimo do atraso, um esqueleto daquele. Se a empresa continuar nessa inércia, a gente vai fazer com que haja as punições devidas, de repente adentrar o imóvel, fazer alienação judicial de alguém que tenha interesse em fazer a obra. O privado está prejudicando o público, toda uma cidade. Se não vier exercer o seu dever, após a demolição, o Município de Natal vai avançar com as medidas”, pontua o procurador-geral.
O 8º pavimento do hotel é um dos elementos que motivou o embargo em 2005, após duas ações civis públicas do Ministério Público Federal (MPF). Segundo consta no processo, a NATHWF – sucessora da BRA – apresentou um projeto para construir em uma área de 14.815 m² e executou outro planejamento “em tudo, diferente do anterior” para edificar uma área de 28.984 m². Além disso, a construtora iniciou as obras sem licenciamento ambiental e alvará de construção referentes ao novo projeto, inclusive ultrapassando o gabarito máximo de 15 metros, como determinava o plano diretor vigente na época.
Em 2017, a Justiça Federal sentenciou a empresa a demolir o andar excedente e dar entrada no licenciamento adequado para concluir o hotel. Ficou determinado ao Município garantir o rito de licenciamento, observando os aspectos ambientais e do código de obras vigente à época do início da construção. Nesse meio tempo, alguns fatores como alegações do MPF de que não teria sido intimado para cumprir a sentença, tentativas de acordos em audiências de conciliação, além da pandemia de covid-19, ocasionaram o não cumprimento da decisão judicial. Com a recente proposta da Prefeitura, o litígio do BRA sinaliza para um desfecho.
O juiz federal Ivan Lira de Carvalho explica que o MPF se manifestou duas vezes sobre o tema. “São duas ações, uma pedindo que a justiça determinasse que a empresa e o município providenciassem a retirada dessa construção excedente e depois outra ação civil pública pedindo que fosse cancelado licenciamento para obra. Quer dizer, em uma pede para que seja feito uma adequação e em outra pede para que seja feita a retirada. São duas ações distintas, elas não estão conjugadas porque há distinção no que diz respeito ao pedido”, detalha.
Justiça não consegue localizar dono de empresa
O juiz Ivan Lira de Carvalho diz também que tem tido dificuldade de localizar representantes da empresa para notificar sobre a proposta da prefeitura. “Nós encontramos uma dificuldade de localizar o representante legal da construtora, ela tinha um preposto aqui, que visitava a nossa Vara com muita frequência, para saber o andamento, saber se precisava fazer algo, procurar o advogado. De repente, essa pessoa não é mais localizada, nossos oficiais de Justiça foram até o endereço que ela tinha cadastrado aqui, mas não encontraram. Ninguém dá notícia onde anda essa pessoa”, afirma o juiz titular da 5ª Vara Federal.
A reportagem encontrou o preposto citado pelo juiz. Ele é identificado como representante legal da NATHWF nos autos do processo e conversou com a TRIBUNA DO NORTE, mas não quis ser identificado. Ele disse que a empresa está providenciando o licenciamento e que a construtora ainda quer retomar a obra. “O licenciamento está sendo providenciado. Com certeza temos [interesse em retomar o projeto]”, comenta. “É o primeiro passo e depois que tiver a licença, um alvará de instalação ou de obra aí a gente vai fazer a demolição [do 8º andar]. A demolição é no andar da obra, você vai mobilizar tudo de uma vez só”, completa.
Apesar da declaração do representante da empresa, não há nenhuma movimentação oficial na Semurb, órgão competente para licenciar o empreendimento, conforme detalha o titular da pasta, Thiago Mesquita. O que houve até o momento foi uma comunicação verbal, há cerca de um ano, da empresa sobre o interesse de continuar a obra. “Não é verdade que foi dado entrada naquele alvará que ele [representante] havia prometido para mim que seria dado entrada. Até agora, nenhuma movimentação oficial da Semurb. Agora, fui orientado pela PGM a aguardar um pouco até se resolver essa conciliação”, diz.
PGM diz que Natal cansou de esperar
O titular da Procuradoria-Geral do Município, Thiago Tavares de Queiroz, afirma que a capital vem sendo prejudicada com a estrutura em ruínas. “A gente quer é resolver o problema. Há um ente particular hoje inerte, que prejudica a cidade do Natal e que após várias tentativas de contato não apareceu. O cara mora fora e prejudica a nossa cidade. Natal cansou e por orientação do próprio prefeito Álvaro Dias quer resolver aquela situação do BRA. Se autorização judicial vier, pode ter certeza que o Município não vai se furtar em executá-la”, comenta.
O empresário Humberto Folegatti, da NATHWF não foi localizado pela reportagem. A TN também tentou falar com o advogado Kaleb Freire, que informou não ter interesse em se manifestar sobre o assunto.
BATE-PAPO
“A justiça não vai ficar de mãos atadas”, diz Juiz Ivan Lira de Carvalho
O sr. já explicou que tenta, sem sucesso, notificar a empresa sobre o desejo da Prefeitura. O que acontece se não houver resposta da empresa?
Vai ter que se partir para a chamada “comunicação por edital”, que é uma coisa tão desagradável de se movimentar, mas às vezes é necessário: publicar um edital, dando um prazo para que ele se apresente para cumprir determinadas obrigações, ouvir ao processo ou realizar um ato. Se não o fizer, será feito às custas de quem tem interesse, no caso, quem está se apresentando com a bandeira é a prefeitura. Não significa dizer que a ausência da empresa vai significar que a justiça vai ficar de mãos atadas. Tem essa última possibilidade. Isso é eficiência que a gente busca e nem sempre a eficiência está num ato de maior força, como é chamar por edital. A gente está tentando fazer da maneira mais suave e eficaz.
Caso o desejo da Prefeitura seja atendido e ocorra a demolição do pavimento excedente, como fica o restante da estrutura? Será demolido por completo?
Eu teria que analisar minudentemente esse processo especificamente para saber porque nós já temos sentença nos dois, chama tecnicamente de cumprimento de sentença. Eu quero ver se nos limites da sentença, porque eu não posso me distanciar do que está transitado em julgado, é possível se autorizar, por exemplo, uma retirada total do prédio ou a imposição de alguma multa que se fixa por dia, por semana, pelo não cumprimento de obrigação para a construtora. O que nós temos nessa fase é atuar com sensibilidade, eficiência e respeito aos direitos e deveres de todos os envolvidos.
Existem dois processos com sentença. Conforme já explicado, as duas ações não se misturam por causa da diferença no objeto. Elas correm em paralelo? Pode nos explicar como é esse trâmite?
Se elas fossem iguaizinhas eu as uniria em um processo só, mas elas têm objeto diferente: uma é dizendo “derrube”, outra é dizendo “tire o licenciamento”. Tem alguns pontos até convergentes, mas em razão dos pontos jurídicos essenciais diferentes, elas andam em paralelo. Quem sabe, mais adiante, com a solução em um desses processos, o outro fique sem razão de existir e possa ser extinto.
TRIBUNA DO NORTE
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