Foto: Adriano Abreu
Com aval inédito, o Rio Grande do Norte entra para a história como um dos vetores da transição energética ao se tornar o primeiro estado a viabilizar um projeto de energia eólica offshore. De acordo com o diretor do Senai-RN e do Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER), Rodrigo Mello, a previsão é que a planta-piloto entre em operação em até 36 meses e, na estimativa mais otimista, até o final de 2027. O projeto, que será implantado no município de Areia Branca, recebeu do Ibama na terça-feira (24), a primeira licença ambiental do Brasil para um empreendimento do tipo. A planta funcionará como Sítio de Testes, para subsidiar o desenvolvimento da geração offshore em território nacional.
Entre os destaques da iniciativa está a participação da Dois A, empresa potiguar com ampla experiência em engenharia e inovação, que atuará de forma estratégica na coordenação das etapas nacionais do projeto, desde a definição das estratégias logísticas até o mapeamento e desenvolvimento de uma cadeia de fornecedores nacionais que possam vir a atender projetos maiores em série. A empresa também será responsável por liderar o processo de adaptação da tecnologia offshore ELISA, desenvolvida pela espanhola Esteyco, ao contexto brasileiro.
O projeto-piloto prevê a instalação de dois aerogeradores, com potência somada de 24,5 megawatts (MW), a cerca de 20 quilômetros da costa. A energia produzida será utilizada para abastecer o Porto-Ilha de Areia Branca, principal terminal de escoamento de sal do País, em substituição à atual geração efetuada por meio da queima de combustíveis fósseis. Mais do que um projeto de geração, a iniciativa se propõe como plataforma de pesquisa, desenvolvimento e inovação, com foco na validação de tecnologias nacionais voltadas à fundação e à torre de turbinas eólicas offshore.
Ao longo do processo, o experimento também permitirá a análise de impactos ambientais no ecossistema marinho e nas atividades socioeconômicas da região, bem como a identificação de necessidades em formação profissional e qualificação de mão de obra.
Com apoio do Ibama, INTERSAL, Companhia Docas do Rio Grande do Norte, Marinha, Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e Ministério de Minas e Energia, o projeto é considerado um marco no setor energético nacional. “Ele inaugura uma nova frente de atuação para o Brasil, que hoje conta com uma matriz predominantemente hídrica, mas que tem ampliado sua base com as fontes solar e eólica onshore”, afirma Sérgio Azevedo, CEO da Dois A Engenharia e Tecnologia.
Diante deste cenário, a energia eólica offshore ganha espaço com um potencial técnico estimado em mais de 1.200 gigawatts (GW), o que representa quatro vezes a matriz energética instalada atualmente do país.
Segundo relatório do Banco Mundial em parceria com a EPE, entregue recentemente ao Ministério de Minas e Energia, grande parte desse potencial está concentrado nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, com destaque para a margem equatorial do país, que vai do Amapá ao RN, que possui a maior quantidade de projetos já em licenciamento ambiental do país, com 133 GW, com destaque para os estados do Ceará (66MW) e RN (25MW), segundo dados atualizados em março de 2025 pelo IBAMA.
Processo longo
De acordo com o diretor do Senai-RN e do ISI-ER, Rodrigo Mello, o processo até a emissão da licença foi longo e exigiu articulação com diferentes instituições. “Isso é uma sensação de orgulho de ver, não cumprido, mas iniciado, e reconhecimento pelo time do Senai e por todas as empresas e instituições envolvidas. Esse é um processo, além de grande, simbolicamente impactante, é um processo literalmente desbravador”.
A licença prévia do Ibama tem validade de cinco anos e antecede a licença de instalação, próxima etapa do cronograma. “Tivemos que construir caminho, discutir com a equipe do Ibama, passo a passo. Isso durou um ano e meio, não foi do dia pra noite, até que a gente concluísse o relatório de impacto ambiental. E além do relatório, várias outras reuniões com a comunidade local, com as empresas envolvidas, com Marinha, universidade. Enfim, é realmente um projeto muito abrangente que fará diferença histórica para a indústria de geração de energia no ambiente offshore no nosso País”, destaca Mello.
De acordo com os responsáveis pelo projeto, o Sítio de Testes tem como finalidade o desenvolvimento de soluções tecnológicas adaptadas às particularidades do litoral brasileiro, com ênfase nas condições do Nordeste. A região que se estende do Rio Grande do Norte até o início do litoral do Piauí apresenta características naturais muito específicas, como profundidade do mar e tipo de solo, que exigem adaptações de tecnologias já existentes. Além do aspecto técnico, o projeto também busca promover a inclusão das comunidades locais e fortalecer a cadeia de fornecedores da região.
A ideia, explica Rodrigo, é também priorizar o conteúdo nacional e evitar a dependência de soluções importadas que não gerem benefícios diretos ao País. A proposta é fomentar uma cadeia nacional de suprimentos e qualificação de mão de obra. “Porque não faz sentido a gente pensar simplesmente, e a Europa compra toda a tecnologia, compra tudo, traz gente qualificada, traz equipamento de montagem, monta e vai embora, e o Brasil fica como o local que está sendo gerado a riqueza, mas não gerando a riqueza”, pontua Rodrigo Mello.
Próxima fase: captação de investimentos
Com a licença prévia emitida, o Senai-RN trabalha agora na estruturação financeira e técnica da próxima fase. Um edital deve ser lançado até agosto para atrair empresas interessadas em participar do projeto. “Esse é o pontapé inicial, foi a licença. Agora nós devemos abrir um projeto multicliente de captação de investimento das instituições interessadas, as indústrias. A gente passa um ano e meio, mais ou menos, fazendo, concluindo os projetos básicos, executivo, orçamento, cronograma, de engenharia em si, e mais um ano e meio, fazendo a montagem e construção até o comissionamento final dessa planta”, detalha.
A estimativa é que o processo completo dure até 36 meses. Segundo Rodrigo Mello, há esforço para concluir a implantação até o final de 2027. “Isso se dará, portanto, dentro de uns 36 meses, até estar comissionado e o Brasil ter o primeiro aerogerador instalado no ambiente offshore. Eu estou com a meta de trabalhar isso até o final de 2027. O prazo é de até 36 meses para a gente entrar em operação, mas eu acho que a gente consegue finalizar em 2027”, diz.
Além da produção de energia, o projeto tem como missão gerar dados sobre o comportamento de equipamentos em ambiente marítimo, impactos ambientais, e viabilidade socioeconômica. Os resultados obtidos poderão ser utilizados como base para outros empreendimentos e políticas públicas voltadas à energia offshore. O projeto também vai avaliar eventuais alterações na fauna marinha, presença de aves, mudanças no fundo do mar e impactos nas comunidades locais.
A iniciativa será conduzida pelo Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER), com sede em Natal, que já realiza pesquisas em energia solar, eólica, hidrogênio verde e armazenamento de energia. A experiência do instituto e sua estrutura laboratorial deverão ser fundamentais para a coleta e análise dos dados ao longo da operação do Sítio de Testes.
Tribuna do Norte
Nenhum comentário:
Postar um comentário