As Parcerias Público-Privadas podem ser multisetoriais e atender a diversos setores da economia nacional. É o que defende o economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Gesner Oliveira, que esteve em Natal nesta semana para participação do Encontro Nacional de Economia, promovido anualmente pela Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia. Ele coordenou um painel sobre saneamento básico no Brasil.
“Os dados indicam que o mundo, em vários países como Reino Unido, Austrália, França, as PPPs têm crescido muito, porque o setor público traz o que ele faz de melhor, que é olhar, fazer a política pública, e o setor privado traz tecnologia, inovação, agilidade. Isso tem funcionado para o saneamento, iluminação pública, educação”, opina o economista, que foi Secretário de Acompanhamento Econômico (1995) e Secretário adjunto da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1993/95).
Nesta entrevista à TRIBUNA DO NORTE, o PhD em Economia pela Universidade da Califórnia/Berkeley também avaliou o cenário da economia brasileira, o pacote de gastos proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e cenários de governança e sustentabilidade para o mercado empresarial. Confira!
Primeiro, gostaria que o senhor falasse sobre esse painel acerca das possibilidades e desafios para o setor de saneamento básico no Brasil…
Esse painel que ocorre já pela quarta vez no Encontro Nacional de Economia se reveste da maior importância porque ele procura trazer a economia para algo que é fundamental para as pessoas que é o saneamento. Saneamento é saúde para as pessoas. Procuramos sensibilizar professores, pesquisadores, centros de pesquisa para desenvolverem trabalhos sobre este tema. Precisamos de inovação tecnológica, métodos mais eficientes para atingirmos áreas rurais, para levar o tratamento de esgoto para as lagoas, despoluirmos as praias, fazer uma série de ações em que precisaremos de investimento e para isso, precisamos de boas propostas econômicas o que para a economia é fundamental.
Aqui no RN muito se fala em possibilidades de PPPs para atingirmos a universalização do saneamento básico. O sr acha essa uma alternativa viável?
[A PPP] É uma alternativa muito saudável. Acho que é essencial unir todos os esforços para conseguirmos mais do que dobrar o nível de investimento. Nessa área o investimento hoje é de R$ 22 bilhões por ano, em média, para água e esgoto. Nos nossos cálculos é preciso atingir pelo menos R$ 50 bilhões ao ano para atingirmos essa meta de universalização. Então tudo que pudermos trazer para investimento é fundamental. O setor privado pode contribuir muito para esses investimentos, daí a importância das PPPs. O setor privado também pode contribuir para acelerar esses investimentos, para trazer inovação e mudarmos o quadro.
O sr acredita que as PPPs são viáveis para outras demandas como turismo e educação, por exemplo?
Tenho certeza. Os dados indicam que o mundo, em vários países como Reino Unido, Austrália, França, as PPPs têm crescido muito, porque o setor público traz o que ele faz de melhor, que é olhar, fazer a política pública, e o setor privado traz tecnologia, inovação, agilidade. Isso tem funcionado para o saneamento, iluminação pública, educação. Por exemplo: construção e manutenção das escolas. Por exemplo: hospitais, parques. Temos um dos maiores parques urbanos do Brasil que é o Ibirapuera em São Paulo, sendo uma concessão bem sucedida. As cataratas tem um parque bem sucedido. Para o turismo a PPP é essencial, porque o turismo requer investimentos, contratos de longo prazo, investimento permanente em manutenção. Acredito que as PPPs têm revolucionado vários setores da nossa economia, seja da infraestrutura tradicional, na área de rodovias, de ferrovias, portos, terminais, seja na área de infraestrutura social, que é saneamento, hospitais e educação.
Em nível de economia nacional, como o sr tem acompanhado as recentes ações do ministro Fernando Haddad?
Nós temos hoje um grande desafio que é o equilíbrio das contas públicas. Estamos há mais de uma década com sucessivos déficits primários. Nenhum país pode ficar, todo ano, com déficit primário sem corrigi-lo. Acho que é positivo que o ministro da Fazenda esteja fazendo um esforço e tenha apresentado um corte de gastos. Acho que essas medidas são positivas. Acho que elas devem ter prioridades. Nosso problema agora é equilibrar as contas. A questão da isenção até R$ 5 mil no Imposto de Renda deveria ser algo depois. O prioritário agora é o corte de gastos para se atingir um equilíbrio nas contas públicas. Esse é nosso maior problema. O Brasil tem vários pontos positivos: temos crescido no investimento privado em infraestrutura, a agenda do Banco Central de digitalização, com o sucesso do Pix e agora vamos ter o Drex, temos um agronegócio que nos garante um salto comercial estrutural que é fundamental e isso, diferente de outros países emergentes, diferente da Argentina, temos uma posição credora líquida nas contas internacionais, com balanço de pagamentos. Mas nossa prioridade são as contas públicas.
Esse corte de gastos seria enxugar a máquina pública? O que seria?
Eu acho que aquilo que foi anunciado é um começo porque é você tem que compatibilizar o reajuste do salário mínimo no arcabouço fiscal, você tem que ter regras claras de acesso a determinados programas e benefícios continuados. O Bolsa-Família, o cadastro, está com vários problemas, tem que se fazer pente fino. Agora é preciso racionalizar a máquina pública, que está inchada. Gastamos de maneira excessiva com supérfluos. Precisamos focar naquilo que é essencial, que é educação, saúde e segurança e focar em investimentos e estimular um ambiente de segurança jurídica. Esse ingrediente é chave: falta segurança jurídica no país para que haja mais investimentos e não ficar mudando as regras toda hora, num ziggue zague, com decisões judiciais que demoram e muitas vezes são contraditórias. Nosso país precisa dar todo o estímulo ao empreendedorismo, a quem investe, dar segurança a quem gera emprego. É isso que precisamos fazer e isso certamente passa por uma reforma tributária que simplifique e não penalize, como ainda está penalizando, o saneamento. É preciso garantir ao saneamento o tratamento equivalente ao da saúde. Porque saneamento é saúde.
Aqui no RN estamos tendo uma discussão acerca de um aumento da alíquota de 18 para 20% do ICMS. Como o sr avalia essa possibilidade?
Eu acho que qualquer aumento de carga tributária no Brasil é inoportuno porque já taxamos excessivamente. Quando a gente compara o Brasil com a média dos países emergentes, temos uma carga muito maior que países como México. Estamos a 10 pontos percentuais acima de países emergentes, como Turquia, África do Sul, México, que são países com PIB per capita médio e que não cabe se colocar uma carga tributária enorme. O aumento dela, de maneira excessiva, leva a sonegação, a economia informal e a do crime. É preciso ter uma carga tributária menor, mas mais equitativa para os vários setores, mais isonômica, simples. Um aspecto positivo da reforma tributária é trocar as 27 legislações de ICMS por uma. Isso é muito bom. As mais de 5000 legislações de ISS por uma só, que é o IBS. Isso é um dado positivo que precisamos celebrar. É claro que cuidando dos detalhes não deixando haver uma derrama sobre o setor de saneamento, porque o que está acontecendo, se nada for modificado e espero que o Senado mude e a Câmara ratifique, porque realmente vamos ter uma derrama porque um setor que não paga ICMS e nem ISS vai começar a pagar esses tributos.
Como economista e consultor empresarial, como tem acompanhado a nova realidade empresarial com a pauta do ESG (Environmental, Social and Governance, Ambiental, Social e Governança em português). É um caminho sem volta?
Eu acredito que sim. Há várias siglas, mas o importante são as companias se darem conta de que, no mundo atual, não pode haver uma separação entre o que é a empresa e o que é a sociedade. A empresa precisa estar integrada à comunidade, ela tem que ter licença social para operar, tem que ter relação direta com seu cliente, e o cliente ter uma boa experiência e perceber que ela tem um propósito e ela cumpre o que ela fala. Essa empresa precisa ser verdadeira com seu cliente, com seu fornecedor, com seu distribuidor e seus colaboradores. Essa empresa precisa colaborar com a política pública. Esse papel social, o “S”, é fundamental. O “E” do Ambiental também é essencial porque a gente precisamos trabalhar com a economia circular, abandonando essa economia linear, que a gente extrai, usa e joga fora. Não existe mais isso porque a gente perde valor e destroi o planeta. A gente quer pegar da natureza, elaborar, reutilizar e quando devolver pra ela, de maneira pelo menos igual ao que se pegou. E tudo isso requer um “G, que é a governança, que é tomar decisões de uma forma sábia. Se há um conflito de interesses, você evita, mas precisa segregar funções e garantir que a empresa tenha distância nas decisões e olhe para a empresa como um todo e não interesse deste ou daquele acionista ou setor da empresa.
QUEM
Professor da Professor da FGV EAESP, onde coordena o Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais, em São Paulo. Obteve seu PhD em Economia pela Universidade da Califórnia/Berkeley, é mestre em Economia pela Unicamp e bacharel pela Universidade de São Paulo. Sócio da GO Associados, foi presidente da Sabesp (2007/11). Foi presidente do Cade (1996/00). Foi também Secretário de Acompanhamento Econômico (1995) e Secretário adjunto da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1993/95). Realiza trabalhos de consultorias para os principais grupos privados e estatais em diversos setores. É conselheiro independente certificado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e conselheiro de diversas empresas e entidades.
TRIBUNA DO NORTE
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