Fonte: BBC
Em setembro, a maranhense Laurenilcy Ribeiro era uma das alunas mais entusiasmadas de um curso de Informática do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), que oferece cursos gratuitos em instituições de ensino públicas e privadas e foi uma das bandeiras da presidente Dilma Rousseff na campanha eleitoral de 2014.
Entrevistada pela BBC Brasil, ela contou que, após trabalhar como cozinheira em casas de família em São Paulo por duas décadas, estava feliz com o emprego em uma rede de supermercados e, em especial, com a volta à sala de aula.
Além de frequentar o Pronatec, na época Laurenilcy também cursava uma faculdade de Marketing, paga com ajuda do Fies – o Fundo de Financiamento Estudantil, outro carro-chefe da campanha de Dilma.
Dez meses depois, pouco parece ter sobrado desse entusiasmo. "Foi tudo uma grande decepção", diz Laurenilcy.
"No final do ano houve atrasos nos repasses para cursos Pronatec. Alguns professores acabaram sendo demitidos e passamos correndo por alguns conteúdos. Consegui concluir o curso, mas com a economia em baixa não tenho perspectivas de aproveitar o que aprendi. As notícias dos cortes no Pronatec e as novas regras para o FIES também me fizeram pensar que podia não valer a pena investir tanto nos estudos... que esse apoio do governo poderia não ser sustentável. Acabei desistindo até da universidade", conta a maranhense.
Sua colega de curso Marieuleni Barreto também se diz decepcionada com os rumos do programa. Ela conta que o projeto contribuiu para sua decisão de votar em Dilma nas eleições de outubro. "Imagino que esses cortes tenham sido inevitáveis dado a situação da economia, mas para mim representaram uma grande frustração."
'Ajuste necessário'
Desde 2011, quando o Pronatec foi criado, 8 milhões de pessoas passaram pelo programa. A promessa feita pela presidente durante a campanha era matricular mais 12 milhões estudantes até 2018.
Nos primeiros meses deste ano, porém, o Ministério da Educação (MEC) já anunciou que em 2015 a oferta de vagas cairá 60% - dos 2,5 milhões de 2014 para apenas 1 milhão.
A redução faz parte dos esforços para a promoção de um ajuste fiscal: no total, devem ser cortados mais de R$ 9 bilhões do orçamento para a educação.
"O ajuste fiscal se baseia numa realidade", explicou o ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, em entrevista à BBC Brasil no início do mês.
"Tem-se menos dinheiro, então o que estamos fazendo é procurar preservar ao máximo possível a qualidade dos programas, sua essencialidade, e escalonar o que não possa ser feito neste ano para fazer no futuro. E também reavaliar projetos e programas em andamento para ver onde podem ser aprimorados."
Fernando Soria, vice-presidente executivo das Faculdades Sumaré, uma das instituições privadas provedoras de cursos Pronatec diz que "todos entendem que o ajuste fiscal era necessário".
"O problema é que as promessas sobre o programa criaram uma série de expectativas entre estudantes e provedores que não serão atendidas. Faculdades como a nossa, que acreditaram no programa e se prepararam para oferecer seus cursos, agora estão no prejuízo."
Na primeira fase do Pronatec, a Sumaré teria recebido autorização para abrir 7 mil vagas. Hoje, ainda tem 800 alunos, mas, segundo Soria, não teve nenhuma vaga aprovada para o próximo ciclo do programa.
"Fomos obrigados a demitir 200 pessoas, entre professores, coordenadores e funcionários administrativos. Investimos mais de R$ 4 milhões para participar do programa e oferecemos até tablets grátis para os alunos acompanharem os cursos. Mas depois de outubro, o governo começou a atrasar os repasses. Acabou a eleição, acabou o pagamento. Chegamos a ter 4 meses de atraso."
Henrique Gerstner, diretor das Escolas e Faculdades QI, maior rede privada de ensino técnico do sul do país, também relata atrasos de "3 ou 4" meses nos repasses de recursos e critica a forma como foram feitos os cortes.
No caso da QI, as vagas aprovadas passaram de 1.800, em 2014, para 1.050. "A questão é que nunca tivemos qualquer indicação de que haveria uma redução dessa magnitude. Em um governo que tem como lema 'Pátria Educadora', fomos pegos de surpresa", diz ele.
O diretor da QI defende que o Pronatec tem tido resultados "excelentes" e diz que a parceria com o governo no geral é interessante para as instituições privadas.
"Mas ela também criou alguns efeitos negativos. Hoje há alguns estudantes que não se matriculam nos nossos cursos pagos porque ficam nessa expectativa de receber os cursos grátis", diz ele.
Outro lado
O MEC admite que houve atrasos nos repasses para alguns provedores, mas diz que eles não passaram dos três meses e a situação já foi regularizada.
Segundo o secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério, Marcelo Feres, algumas instituições privadas podem ter saído prejudicadas na distribuição de vagas porque há um esforço para aumentar o alcance geográfico do Pronatec, ampliando o número de municípios que recebem o programa. Com isso, entidades que não têm unidades fora de grandes centros urbanos perderiam.
"Mas a oferta de curso técnico em instituições de ensino superior privadas foi feita com a intenção de aproveitar a capacidade instalada, os professores, a estrutura que já existia. Nunca foi dito que as instituições deveriam fazer oferta de vaga maior do que a sua capacidade. Isso é temerário, nós não concordamos."
Feres também diz que as frustrações com o programa parecem estar concentradas nas faculdades privadas. "As instituições privadas são parceiras importantes. Mas a análise dessas instituições, que representam 7% do Pronatec pelos dados de 2014, não podem ser confundidas com a análise de todo o programa."
No esquema que serve de base para o Pronatec, o governo paga escolas técnicas, entidades do Sistema S (Senai, Senac, Senar e Senat), instituições federais e – desde 2013 – faculdades particulares para que elas ofereçam gratuitamente cursos técnicos e de qualificação profissional.
O público vai de estudantes ou jovens que apenas acabaram o ensino médio a desempregados e trabalhadores interessados em se requalificar.
De 2011 a 2014, foram investidos no programa cerca de R$ 14 bilhões. Provedores disseram receber por hora/aula para cada aluno de R$ 5 a R$ 8. Em um curso técnico de 1.000 horas, isso significa um custo de até R$ 8 mil por estudante. Mas também há cursos de menor duração - os chamados cursos de Formação Inicial e Continuada (FICs), que vão de 160 a 400 horas.
Entre os que oferecem cursos do programa, de fato também há quem veja o enxugamento de maneira menos crítica, como Rafael Lucchesi, diretor-geral do Senai, maior provedor individual do Pronatec.
Para ele, os cortes são uma "acomodação devida" em função da necessidade do governo reduzir gastos - e o fato de a economia estar desacelerando faz com que não haja uma pressão tão grande no mercado de trabalho pelos profissionais técnicos no momento.
"É claro que ter quase 3 milhões de alunos em um ano e 1 milhão no outro traz ajustes necessários para todos os parceiros (do programa). Estaria mentindo se dissesse o contrário", diz Lucchesi, após esclarecer que, no Senai, o número de vagas Pronatec deve passar de 1,2 milhão para algo em torno de 400 mil, este ano.
"Mas entendemos que o ajuste é necessário e compreensível. Além disso, a educação continua a ser uma prioridade clara desse governo – particularmente a educação profissional. Por isso, acreditamos que essa retração em 2015 será compensada por uma expansão em 2016."
Para Carlos Lazar, do Grupo Kroton, maior grupo educacional brasileiro, o programa de fato poderia "ganhar em previsibilidade", mas já haveria um diálogo com o governo para melhorar essa questão.
"De qualquer forma, nossa exposição ao programa sempre foi relativamente baixa e continuamos a acreditar que há um compromisso do governo com as melhorias na educação", diz.
Críticas
Há quem discorde. Na opinião de Mariza Abreu, que por mais de 20 anos foi consultora legislativa na área de educação, o que levou o governo a expandir de forma acelerada o Pronatec em 2014 e prometer um aumento ainda maior das vagas no segundo mandato da presidente pode não ter sido apenas uma vontade de promover avanços nessa área.
"Parece que a lógica era 'vamos fazer qualquer coisa para vencer as eleições e depois a gente administra' (os gastos e compromissos decorrentes dessas promessas)."
O governo nega que a expansão do programa tivesse tido fins eleitoreiros. Questionado sobre a promessa das 12 milhões de matrículas no Congresso, Janine afirmou que este é um ano fora da curva, depois de 12 anos de investimentos crescentes na educação.
"Passamos de R$ 18 bilhões de orçamento do MEC, em 2002, para bem mais de R$ 100 bilhões agora. Uma vez superada essa situação e restaurada a saúde da economia, teremos condições de continuar nessa trajetória [de crescimento]", disse o ministro.
Um estudo feito pelo economista Marcos Mendes, consultor do Senado, mostra que, de fato, na última década os desembolsos para o setor passaram de 4% a 9,3% da receita líquida do Tesouro. Em termos reais, esses recursos quase quadruplicaram.
Para muitos especialistas, porém, o problema é que a expansão dos gastos não veio acompanhada de um avanço na questão da qualidade do ensino - o que seria refletido na estagnação dos índices de produtividade do trabalhador brasileiro.
"Chama a atenção, por exemplo, que os gastos com programas como o Pronatec, o Fies e o Ciências sem Fronteiras se expandiram em um ritmo fora da curva, muito mais acelerado que os aportes do governo federal para a educação básica. E as perguntas que estamos começando a fazer agora é: Esse aumento foi correto? E é sustentável?", questiona Abreu.
O professor do Insper Otto Nogami concorda que o momento de crise que o Brasil vive hoje pode ser uma oportunidade para a reavaliação das estratégias na área de educação e opina que, no caso específico do Pronatec, ainda faltam mais dados para avaliar a eficiência do programa.
"Precisamos saber se o que os alunos aprendem é relevante, se eles conseguem emprego e se de fato há um avanço na questão da produtividade", opina.
Feres, do MEC, diz que já haveria iniciativas para avaliar o programa e menciona uma parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e outra com o Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). "No programa como um todo está havendo uma revisão, o que é um processo natural de aperfeiçoamento de uma política pública. Não dá para fazer política pública achando que o primeiro modelo proposto é o melhor."
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