Mais uma vez as secas castigam o Nordeste. Isso não é dos últimos anos, logicamente, pois os longos tempos de estiagem já constituem a natureza do semi-árido nordestino, contudo vêm se agravando em consequência das agreções ao Meio Ambiente. Projetos são elaborados pelos governantes para lidar com o problema das secas, mas a mesma continua causando sérios prejuízos.
Em várias épocas o povo pôde contar com as ferrovias para minimizar a falta de água; casos desse tipo aconteceram há não muito tempo atrás aqui em Pernambuco. No fim dos anos 90, a região Nordeste enfrentou mais uma longa estiagem que decorreu no esgotamento de importantes reservatórios para cidades do Agreste e Sertão pernambucanos, como foi o caso de Gravatá e Bezerros. Leia a notícia de março de 1999 do Jornal do Commércio, com o título “Trem alivia a seca em Bezerros”:
“Atingindo a terceira semana sem água nas torneiras, o município de Bezerros aguarda, a partir das 9h de hoje, um trem com oito vagões transportando 300 mil litros d'água dos poços de Suape, no Grande Recife. Enviada
em caráter emergencial pelo Governo do Estado, ontem à tarde, da Estação das Cinco Pontas, a carga atende um pedido de socorro do prefeito Lucas Cardoso (PFL) feito semana passada, quando o município chegou ao colapso total devido ao estado da Barragem de Brejão, considerada tecnicamente seca pela Compesa.
Trem de água sendo formado em Cinco Pontas, no Recife, no fim dos anos 90.(Imagem: Recorte de jornal - Acervo de Emmanoel Lucas). |
"Não entendemos como é que não fomos informados há mais tempo sobre o estado da barragem nem passamos por qualquer tipo de racionamento pela Compesa antes de ficarmos, de repente, sem água desse jeito", desabafou Cardoso. O presidente da empresa, Gustavo Sampaio, esclareceu que a maioria dos 241 sistemas operados pela Compesa no Estado sofreram algum tipo de racionamento. "O problema é que a água de Brejão foi muito usada por carros-pipa da Compesa, Emater (atual Ebape) e das prefeituras para abastecer cidades próximas, como Gravatá, acelerando o colapso da barragem", explicou.
Ainda assim, o secretário estadual de Infra-estrutura, Fernando Dueire, anunciou a conclusão, a partir de hoje, de obras urgentes para captação da água ainda disponível em fossos da barragem, através de bombas de alta pressão e 400 metros de linha de transmissão da Celpe, para a rede de abastecimento de Bezerros. "Continuaremos enviando o trem semanalmente com o mesmo volume enquanto permanecer a seca na cidade", acrescentou Dueire. Outra cidade em colapso que também vai continuar sendo abastecida por trem é Gravatá, que já recebeu 500 mil litros de Suape.” (17 de Março de 1999)
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Hoje, infelizmente, devido ao relaxamento proposital e a falta de planejamentos sérios de nossos governantes, cidades como as citadas na notícia não podem contar com o trem na luta contra a seca. A Linha Centro de Pernambuco, que liga Recife a Salgueiro encontra-se abandonada. Foi por meio da mesma que vários trens de água socorreram cidades do semi-árido pernambucano. Hoje, a mesma encontra-se sucateada, com seu leito invadido, inclusive até possivelmente por pessoas que se utilizaram do trem e da água transportada por meio do mesmo. Trilhos roubados ou aterrados completam a triste realidade de uma ferrovia que poderia estar sendo usada mais uma vez nessa estiagem (e não só com esse próposito).
Com o envio de trens de água, os efeitos da seca poderiam ser minimizados. Fica a pergunta: Em meio a tanto progresso, o benefício das ferrovias em nosso estado pode ser simplesmente substituído pela implementação de mais e mais rodovias? A resposta logicamente é não. Podemos utilizar como exemplo os próprios trens de água: Em uma viagem, com apenas 8 vagões transportou 300 mil litros de água; fazendo a divisão, equivale a 37,5 mil litros por vagão. Caminhões pipa possuem capacidades variadas podendo até alcançar os 30 mil litros; um caminhão bi-trem, no entanto, poderia alcançar por volta de 60 mil litros de capacidade, o que é vertiginosamente inferior ao que pode ser transportado por meio da ferrovia em apenas uma viagem, sem falar ainda que o trem não enfrenta engarrafamentos e reduz as fontes de poluição, sendo ecologicamente bem mais correto. Veja:
Trem de água (com 8 vagões) X Caminhão pipa bi-trem
Sem engarrafamentos Possibilidade de engarrafamentos
300 mil litros (uma viagem) Aprox. 60 mil litros (uma viagem)
Uma vez que por rodovia, a capacidade de transporte por viagem é bem mais reduzida com relação a ferrovia, seriam necessários mais 5 viagens ou cinco veículos, em outras palavras, 5 fontes de poluição de ar (e aumento de tráfego nas rodovias) para transportar os 300 mil litros do trem.
Cidades como Sanharó, “Terra do leite e do queijo”, que tem sua economia baseada na agropecuária e hoje tem boa parte de seus rebanhos dizimados por conta da falta de água, poderia estar com tais impactos bastante reduzidos se estivesse recebendo um trem de água.
Esse é nosso pais, onde se prefere o politicamente vantajoso ao invés do social e ambientalmente correto. Onde estão nossos trens de passageiros, que transportaram milhares de pessoas, para o Agreste, Sertão, Zona da Mata e outros estados? Onde estão nossos trens de água num momento difícil como esses, que traziam água até o centro das cidades afetadas pelas secas? Enfim, onde está a memória de nossos caminhos de ferro?
Recorte de jornal mostrando a manchete da utilização dos serviços da ferrovia pela Compesa em Pernambuco. (Imagem: Acervo de Emmanoel Lucas). |
Estação ferroviária de Sanharó, na Linha Centro. Esta é uma das cidades que mais está sofrendo com os efeitos da seca. (Imagem: Acervo pessoal - Janeiro de 2009). |
Multidão se aproxima do trem de água da RFFSA, no município de Lajes-RN. (Imagem: cabuginoticia.blogspot.com) |
Trem de água da RFFSA na Paraíba, nos anos 90 (Imagem: Acervo Josélio Carneiro). |
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