O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da sentença que absolveu dois dos acusados de envolvimento no esquema de corrupção desbaratado pela chamada “Operação Hígia”, deflagrada em 2008. Maria Eleonora Lopes D'albuquerque Castim e Marco Antônio França de Oliveira eram, respectivamente, coordenadora de Execução Orçamentária e Financeira e servidor da Secretaria Estadual de Saúde (Sesap/RN), quando ocorreu uma série de irregularidades em contratos de empresas com a secretaria, resultando em quase R$ 10 milhões em prejuízos aos cofres públicos.
Os dois foram os únicos absolvidos da sentença de primeira instância (na qual foram condenados réus como os empresários Jane Alves de Oliveira e Herberth Florentino, bem como o filho da então governadora do estado, Lauro Maia). Para o MPF, no entanto, eles estão envolvidos nas irregularidades, pois facilitaram o funcionamento do esquema – que obtinha, por exemplo, prorrogações fraudulentas de contratos e pagamentos por serviços não prestados, desviando recursos que eram divididos entre os participantes.
Participação – Esse esquema funcionava a partir de um acordo entre agentes públicos e representantes de empresas como a Emvipol e a A&G Locação de Mão de Obra (ambas condenadas), que “loteavam” os contratos da secretaria entre si. Maria Eleonora e Marco Antônio, de acordo com o recurso, integravam o primeiro grupo. O MPF aponta a existência de diversos áudios; depoimentos; pareceres pela dispensa de licitação e renovação dos contratos; e toda uma farta documentação provando a participação de ambos nas irregularidades.
Em um dos áudios, Jane Alves liga para Marco Antônio França e trata sobre a possível publicação de uma licitação, com objetivo “justamente de retardar essa publicação”. Em outro, o servidor – que atuava na Coordenadoria de Administração da Sesap – conversa com Anderson Miguel (empresário e ex-marido de Jane Alves, assassinado em 2011) a respeito da renovação de contratos.
Parte das verbas desviadas pelo esquema eram de origem federal, oriundas do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Programa Farmácia Popular. Em relação a este programa, a secretaria chegou a pagar pela prestação de serviço terceirizado quando a primeira unidade sequer havia sido inaugurada. Marco Antônio foi quem atestou três das seis notas emitidas no período em que a Farmácia Popular nem mesmo havia entrado em funcionamento.
Há também áudios que apontam o elo existente entre Maria Eleonora e o grupo criminoso. Nas conversas, o MPF indica que ela é citada como sendo uma “peça importante no esquema, pois atuaria intervindo não só em favor da empresa A&G para renovação dos contratos, como também era responsável pela irrigação financeira da organização criminosa, flexibilizando para permitir o pagamento imediato aos seus integrantes, mesmo ciente dos artifícios utilizados para manutenção ilícita das empresas (…) à frente dos contratos mantidos com a Sesap”.
Operação – A Higia foi deflagrada em 13 de junho de 2008, após recolher diversas provas de ilícitos cometidos durante o período de 2006 a 2008. Além de pagamento de mão de obra terceirizada em programas que sequer haviam sido iniciados, constatou-se divergências no quantitativo de funcionários, por meio de fraudes como o acréscimo de “funcionários fantasmas” na folha de pagamento e também o lançamento em duplicidade dos nomes.
Em um contrato de vigilância, notas atestadas diziam respeito ao serviço de vigilantes que sequer possuíam registro no Sistema Nacional de Segurança e Vigilância Privada (Sisvip) e alguns dos quais já prestavam serviços em outras empresas ou instituições públicas. “Mesmo presente tamanha quantidade de irregularidades, o demandado Marco Antônio (…) atestou, sem qualquer dificuldade, a prestação dos serviços (…) permitindo que a Emvipol recebesse vultosa quantia por serviços que não tinha prestado”, descreve o recurso, de autoria do procurador da República Fernando Rocha.
Os dois servidores também se somaram para permitir à A&G a renovação indevida de contratos – com aditivos que aumentavam consideravelmente o valor inicial – mesmo sem haver situação de emergência que justificasse tais renovações, em lugar da abertura de novas licitações. “(conforme) conversa estabelecida entre Anderson Miguel e Marco Antônio (...), percebe-se a atuação deles em conjunto com a ré Maria Eleonora (…) no sentido de promover a adulteração no contrato”.
Outro mecanismo ilegal utilizado era a prática de dispensa indevida de licitação, que beneficiou a Emvipol. Marco Antônio é apontado como um dos responsáveis. O dono da empresa, Herberth Florentino, afirmou que se reportava ao servidor da Sesap exatamente para agilizar seus processos. Em relação à Maria Eleonora, o MPF ressalta ainda que a coordenadora admitiu a indicação de pessoas para vagas de emprego nas empresas envolvidas no esquema, tendo também intercedido em prol de uma funcionária que corria risco de ser dispensada.
Condenados – A ação de improbidade (nº 0009613-10.2008.4.05.8400) foi extinta em relação a Anderson Miguel devido à sua morte. Entre outras sanções, os empresários Francisco Alves de Sousa Filho (Júnior Gordo), Herberth Florentino e ainda Lauro Maia foram condenados ao ressarcimento solidário de R$ 9.847.243,64 aos cofres públicos (juntamente com os sucessores de Anderson Miguel). A A&G e Emvipol também foram condenadas a ressarcir os prejuízos. A então procuradora do Estado Rosa Maria Figueiredo Caldas Câmara foi sentenciada à perda de bens no total de R$ 250 mil; e Ulisses Fernandes de Barros (que atuava “como um contínuo das empresas dentro da administração”) a pagamento de multa.
João Henrique Lins Bahia Neto (que trabalhava no Gabinete da então governador Wilma Maia e fazia a “ponte” entre Lauro Maia e os empresários), Jane Alves (que firmou acordo de colaboração) e Francinildo Rodrigues de Castro (funcionário da A&G que ocupava cargo na Sesap), foram condenados, entre outras sanções, a pagamentos de multas.
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