No ano passado, uma série de atos de aparente sabotagem atingiram diversos países europeus. Trens paralisados por danos causados à fiação, gasoduto fora de serviço, internet interrompida devido ao corte de cabos e drones suspeitos em áreas restritas foram registrados em países como França, Alemanha, Dinamarca e Noruega. Não há provas concretas para apontar os responsáveis, mas os especialistas têm uma suspeita óbvia: a Rússia. As informações são da agência Al Jazeera.
O caso de maior repercussão foi o das explosões que destruíram seções do gasoduto Nord Stream, responsável por transportar gás natural russo para a Alemanha. Moscou, como de praxe, apontou o dedo para seus inimigos, alegando, sem exibir qualquer prova, que o governo britânico havia causado o problema para a culpar a Rússia. Igualmente sem evidências, Ucrânia e Polônia apontaram na direção oposta.
O episódio ocorreu em setembro, quando duas explosões subaquáticas geraram grandes vazamentos de gás em dois dutos do Nord Stream na ilha dinamarquesa de Bornholm. As detonações ocorreram nas áreas econômicas exclusivas de Suécia e Dinamarca, impactando o fornecimento. Até hoje não está claro como o problema aconteceu, embora uma investigação das autoridades suecas, concluída em novembro, tenha confirmado que houve sabotagem.
No início de outubro, a Deutsche Bahn (DB), operadora do sistema ferroviário alemão, foi alvo de uma ação que interrompeu a circulação de trens de carga e de passageiros por cerca de três horas. O Ministério dos Transportes suspeita de sabotagem, vez que cabos essenciais para a segurança do tráfego ferroviário foram deliberadamente cortados.
O ataque ao sistema ferroviário ocorreu em meio a um vertiginosos aumento dos casos de espionagem, ataques cibernéticos e atos de sabotagem invariavelmente atribuídos pela Alemanha a agentes russos. Nesse cenário, dois funcionários do Ministério da Economia foram colocados sob suspeita de espionagem, o chefe do Departamento Federal de Segurança da Informação foi demitido devido à proximidade com Moscou e um diplomata russo, supostamente um espião, morreu misteriosamente em Berlim.
Também em outubro, a ilha dinamarquesa de Bornholm ficou sem luz devido ao corte de um cabo submarino. Já a linha de internet que alimenta cidades como Marselha e Lyon, na França, Barcelona, na Espanha, e Milão, na Itália, foi interrompida também porque cabos foram danificados. Noruega e Suécia, por sua vez, foram palco de episódios envolvendo drones suspeitos sobrevoando áreas sensíveis, e até um avião russo foi identificado no espaço aéreo dos dois países.
Espiões russos no exterior
Essas ações não deixaram pistas evidentes, o que impede os países-alvo de denunciar um autor em particular. Mas, para analistas, o suspeito óbvio é a Unidade 29155, um ramo do GRU, o principal serviço de inteligência russo, ligado às forças armadas russas. Os agentes desse destacamento são encarregados de operações de inteligência no exterior, como os envenenamentos do ex-espião Sergei Skripal e da filha dele, Yulia, na Inglaterra, em 2018.
“De acordo com todos os relatos disponíveis, a Unidade 29155 existe desde pelo menos 2009. Ela consiste em um pequeno número de funcionários, possivelmente cerca de 200, com mais 20 a 40 oficiais de operações”, disse Joseph Fitsanakis, professor de inteligência e estudos de segurança na Universidade Coastal Carolina, dos EUA.
Segundo ele, a origem do grupo remete aos tempos da extinta União Soviética, que tinha agentes treinados especialmente para praticar atos de sabotagem no exterior. Os alvos eram invariavelmente do setor de infraestrutura essencial, como redes de energia e telecomunicações e serviços públicos em geral. Exatamente o que se registrou na França, na Alemanha, na Suécia e na Dinamarca.
“Dada a sua missão e o forte histórico de suas atividades na preparação para a guerra ucraniana, não há dúvida de que a Unidade 29155 está fortemente envolvida nas operações híbridas russas hoje”, disse Fitsanakis. “Vários casos de sabotagem contra redes de serviços e transporte ocidentais na Polônia, Escandinávia, França e Alemanha trazem as marcas das operações da Unidade 29155”.
Segundo Arthur Laudrain, pesquisador de doutorado da Universidade de Oxford e analista do Centro de Estudos Estratégicos de Haia, de fato é difícil provar o envolvimento de Moscou. Mas ele cita um caso específico, em abril de 2022, que interrompeu ou prejudicou as comunicações por internet e telefone na França Na ocasião, cabos de fibra ótica foram cortados e removidos, segundo a RFI.
“No ataque de abril, era preciso chegar a vários pontos de acesso ao longo de ferrovias ou rodovias. Os perpetradores sabiam o que estavam fazendo para maximizar os danos e cortaram não apenas pontos específicos, mas removeram seções do cabo, o que os torna mais difíceis de consertar”, disse Laudrain, que descarta a hipótese de vandalismo.
Ocidente em alerta
Para as nações ocidentais, a maior preocupação é com as possíveis ações submarinas da Rússia, como as que levaram ao corte de energia na Dinamarca e aos danos no Nord Stream. O impacto seria considerável se ações semelhantes tivessem como alvo cabos usados para manter a internet global conectada.
Alexander Downer, ex-ministro das Relações Exteriores da Austrália, afirmou em outubro do ano passado que 95% do tráfego mundial de internet passa por apenas 200 sistemas submarinos de cabos de fibra ótica. O problema seria particularmente sentido nas ilhas britânicas se esses sistemas fossem atacados, segundo ele.
“Estima-se que existam apenas dez pontos de estrangulamento globais onde esses cabos convergem ou chegam à costa. Se você quisesse isolar a Grã-Bretanha do mundo, não seria muito difícil sabotar esses pontos de estrangulamento”, afirmou Downer na ocasião.
Atenta ao problema, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) criou dois postos de monitoramento de atividade submarina nos mares Báltico e do Norte. Já a França anunciou a compra de veículos não tripulados para fiscalizar os cabos submarinos.
De acordo com o primeiro-ministro norueguês Jonas Gahr Store, os países ocidentais devem estar preparados para eventos semelhantes. “Estamos na situação mais grave com a política de segurança nas últimas décadas”, disse ele. “O aumento das tensões significa que estamos mais vulneráveis a ameaças, inteligência e influência. Isso exige que todos os países da Otan sejam mais vigilantes”.
A REFERÊNCIA
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