Foto: Magnus Nascimento
Cláudio Oliveira
Repórter
Entre 2017 e 2023 a quantidade de pacientes que chegam ao Hospital Walfredo Gurgel (HMWG) em ambulâncias de cidades do interior aumentou 77%. A informação consta no Levantamento Comparativo de Dados Médios, elaborado pelo Núcleo de Acesso e Qualidade Hospitalar do próprio hospital. As razões para o crescimento da chamada “ambulancioterapia” podem estar relacionadas, segundo a Federação dos Municípios do RN à centralização de atendimentos em Natal e Mossoró, fazendo com que os pacientes das outras cidades precisem se deslocar para essas cidades, quando parte desses atendimentos poderiam ser realizados em outras unidades.
Sem um hospital adequado para tratar um fratura que teve na perna após um acidente de moto, Michel Santos, de 19 anos, teve que ser levado do município de Lagoa Dantas para o Hospital Walfredo Gurgel, em Natal. “Eu bati em um trator e acabei quebrando o osso da perna. Cheguei ontem e estou aguardando ser encaminhado para a cirurgia”, explicou o jovem enquanto aguardava o encaminhamento na última terça-feira (19). No dia seguinte, ele foi encaminhado para um hospital da rede privada e conseguiu realizar a cirurgia. Posteriormente, recebeu alta.
Também do interior, o repositor Jose Juciel Vicente, de 29 anos, aguardava há 24 horas encaminhamento no Walfredo. Ele havia sofrido um acidente de moto em Vera Cruz. “Eu estava de moto numa estrada de barro e tombei. Acabei quebrando a clavícula e terei que fazer cirurgia. Estou aguardando encaminhamento”, disse ele.
Os dois casos ilustram como é comum pacientes do interior chegarem àquela unidade hospitalar e apontam para outro dado presente no relatório, o de atendimentos a pacientes vítimas de acidentes de moto, que apresentou também curva de crescimento no período, atingindo um pico de 700 atendimentos mensais em 2023.
“Fechamos a primeira quinzena de março com 427 atendimentos à vítimas de acidentes de moto no HMWG. Se nada mudar, a projeção é de 750 acidentes no mês. A taxa de internação é de 28,34%”, afirma o diretor técnico do hospital Leandro Freire.
Segundo ele, o hospital não tem como explicar as causas do aumento da demanda dos acidentes de moto, mas participa ativamente das discussões levando dados atualizados para que os órgãos responsáveis possam adotar medidas que reduzam esses números. “Recentemente implantamos o monitoramento do local do acidente relatado pelos pacientes e enviamos esses dados ao Detran, STTU e PRF”, diz.
Da mesma forma, não é possível apontar os motivos do aumento da ambulancioterapia, uma vez que excedem a governabilidade do hospital. “Não temos como avaliar as razões do aumento da chegada de ambulâncias do interior. Todavia, estamos sempre alertando a Sesap da alta demanda do interior, e soluções estão sendo buscadas no nível central”, explica o diretor.
A Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap) informou que trabalha na organização dos fluxos de atendimento na rede, fortalecendo a rede própria no interior, com a ampliação dos serviços de ortopedia com vistas , por exemplo, a desafogar o Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel.
“Outra medida que vem auxiliando nisso é o fortalecimento do processo de regulação, seja por meio do Regula RN, no caso dos leitos, ou pela central de acessos às portas hospitalares, que coordena o fluxo de atendimentos de urgência e emergência”, diz a pasta.
A efetividade dos serviços, segundo a Secretaria, pode ser vista nos indicadores do próprio hospital, como a queda da mortalidade, maior resolutividade e ampliação no número de serviços ofertados.
Femurn cobra descentralização
O presidente da Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte (Femurn), Luciano Santos, classifica o aumento do fluxo de ambulâncias na porta do Hospital Walfredo Gurgel como um problema crônico no Rio Grande do Norte e ressalta que nos últimos 20 anos vem se agravando em função de problemas orçamentários que derivam ações de gestão.
“Para que tenhamos uma ideia do quadro que enfrentamos, é só olhar para o vizinho estado da Paraíba com população e áreas parecidas. Na Paraíba, existe descentralização quando falamos em hospital de traumas. Ou seja, existe uma política de saúde, uma estratégia de atendimento à população advinda da relativa tranquilidade fiscal e orçamentária”, disse.
Ele cita ainda as cidades de João Pessoa e Campina Grande que atendem a alta complexidade na Paraíba e relata que outros municípios de lá também atendem de forma menos complexa, casos de menor gravidade, como Patos, Souza, Guarabira, Cajazeiras, Pombal, Mamanguape e Monteiro. Somente para casos mais graves, existe encaminhamento para João Pessoa ou Campina Grande.
“Aqui no Rio Grande do Norte, temos Natal e Mossoró para todas as complexidades”, compara. “Por essa razão, um cidadão que quebra um dedo em Lagoa Nova, vai ser enviado de ambulância para Natal. Isso gera um altíssimo nível de atendimento no Walfredo Gurgel, não suportado pela estrutura existente, que aliás, nos últimos 20 anos teve pouquíssimas alterações em sua capacidade de atendimento”, critica o presidente da Femurn.
Santos afirma que os hospitais regionais estão esvaziados, com baixa capacidade de atendimento. Isso se deve, segundo diz, à estratégia e política de saúde do nosso estado. “Há tempos, está resumida à ambulancioterapia, reflexo de decisões políticas ulteriores que geraram esse trauma na população”, reclama.
A solução no entanto seria seguir o que deu certo no estado vizinho da Paraíba, descentralizando os serviços de média complexibilidade. “Aliás, já fazíamos isso e deixamos de fazê-lo. Voltarmos a ter hospitais regionais com capacidade de atendimento em termos estruturais e de recursos humanos”, pontua Luciano Santos.
Cai taxa de mortalidade no Walfredo
Apesar do aumento no número de pacientes que chegam ao Walfredo Gurgel em ambulâncias do interior, do aumento de acidentados em motos e da taxa de internação, apontado no relatório do Núcleo de Acesso e Qualidade Hospitalar, o principal indicador de qualidade hospitalar, a taxa de mortalidade, vem apresentado redução gradativa no período analisado. Caiu de 9,96% em 2017 para 5,21% em 2023.
“A taxa de mortalidade do hospital é o principal indicador de qualidade monitorado pela sala de situação do nosso hospital e comprova que, apesar de todas as dificuldades, conseguimos atingir a nossa meta maior que é salvar vidas. O constante trabalho de melhoria e padronização de processos internos aliado ao planejamento constante explica esse resultado”, diz diretor técnico do hospital Leandro Freire.
A partir dos dados apresentados nesse relatório é possível perceber um aumento de demanda na porta do HMWG. O maior número tinha sido em 2018 com 5.730 e alcançou 5.767 em 2022 e 5.762 em 2023. A média de pacientes atendidos no pronto socorro no período analisado (2017/2023) foi de 5.471.
É possível observar então um possível aumento de gravidade em função do aumento da taxa de conversão em pacientes internados, o que significa o aumento de pacientes atendidos que ficam internados. A média de internações mensais vem subindo ano a ano. De 2017 para 2023 houve um crescimento de 33,86% e o percentual de internamentos em relação aos boletins de atendimentos abertos subiu 101% neste período.
“O hospital já monitora esses dados ao longo dos anos e vem adotando mudanças que trazem aperfeiçoamento operacional para atender essa crescente demanda. Projetos como o Lean em parceria com o hospital Sírio Libanês, metodologia de melhora da gestão, nos proporcionaram expertise para lidar com essa nova realidade”, explica o diretor.
Tribuna do norte
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