Há pelo menos 30 anos, o bairro de Ponta Negra é o cartão de visitas de Natal para o turismo nacional internacional. Ao desembarcarem aqui, os visitantes já encontravam naquela época uma das mais bem servidas redes de hotéis do Nordeste, parte dela instalada numa avenida de mais de sete quilômetros de extensão na beira mar – a Via Costeira – ligando a Zona Sul à entrada da Zona Norte, via o bairro histórico da Ribeira, na Zona Leste de Natal.
Com um cardápio desses, seria natural supor que Natal, precursor de importantes iniciativas turísticas da região, fosse hoje uma referência em matéria de destino turístico como alavanca do desenvolvimento econômico para sua população. Só que não é.
E uma das razões para que não seja é um atraso de 14 anos de seu Plano Diretor, cuja ausência transformou a capital potiguar num modelo obsoleto de desenvolvimento urbano, hoje bem atrás de João Pessoa, Fortaleza, Recife, Salvador e Maceió.
Tudo isso tem custado caro para os natalenses que, com o passar dos anos, perderam população para municípios da própria Região Metropolitana, como Parnamirim, Extremoz e São Gonçalo do Amarante, onde está localizado o aeroporto internacional.
Isso, sem falar no prejuízo econômico que o atraso dessa revisão trouxe à população ativa, que ao mudar para outros municípios e continuar trabalhando na capital, gastam mais tempo e dinheiro com a locomoção, deixando seus tributos fora da cidade.
Com a revisão do Plano Diretor de Natal, que já está na Câmara Municipal para apreciação e votação, a ideia é recuperar o tempo perdido, num processo de debates que não deixa a desejar a nenhuma revisão urbanística do País.
Tanto que, segundo Wilson Cardoso, engenheiro e consultor, que participou dos Planos Diretores de 94, quando era secretário da STTU; de 2007 como correlator, quando era presidente do Clube de Engenharia do RN e deste agora, desde o início, como consultor independente, o processo não poderia ser mais completo e democrático.
“Foram mais de 100 reuniões técnicas com 17 grupos de trabalho; 14 oficinas quando estavam previstas oito; quatro seminários públicos técnicos quando não estava previsto nenhum e com mais de quatro mil contribuições. E isso até chegar à conferência final com 119 delegados, 58% desses eleitos da sociedade civil organizada e apenas 42% do poder público municipal”, ele explica.
E acrescenta: “Pela minha experiência, foi o Plano Diretor mais participativo do Brasil. Em 2014, por exemplo, foi feita a revisão do Plano Diretor de São Paulo e proporcionalmente tivemos seis vezes mais participantes”.
Segundo o secretário da Semurb, Thiago Mesquita, a metodologia foi definida em cinco etapas, sendo que a quinta e última é que está na Câmara.
“Já passamos pela fase de planejamento, pela leitura da cidade que envolveu a segunda etapa das oficinas e a terceira etapa dos conselhos municipais. A quarta etapa foi da conferência final, com 119 delegados, representando seis segmentos da sociedade civil até chegamos à quinta e última etapa, da Câmara Municipal”, ele explica.
Mudanças em Ponta Negra
Sempre se falou na importância de se ter uma cidade compacta, com maior presença da população, trazendo desenvolvimento econômico, urbanidade e segurança às comunidades.
Em relação à Ponta Negra é exatamente isso que o novo Plano Diretor de Natal propõe. A proposta prevê duas principais mudanças e a primeira é do uso do solo. A partir da aprovação pelos vereadores, a Zona de Interesse Turístico 1, que envolve a região de Ponta Negra, vai poder ter seu uso misto, o que no atual plano diretor é exclusivo das atividades turísticas.
“Agora, a revisão contempla também os domicílios uni e multifamiliares (ou seja, casas), um pleito do próprio trade turístico, por entender que o turista quer interagir com a população, viver a parte cultural daquela parte da cidade e não ficar isolado em equipamentos turísticos” – lembra Thiago Mesquita.
Uma segunda mudança refere-se à área ‘non aedificandi’ (em latim significa ‘espaço onde não é permitido construir’). Em Ponta Negra, essa área envolve as nove quadras que vão desde a rotatória da Via Costeira até a rotatória da Rota do Sol.
Há 30 anos não se pode construir nada nesse trecho para preservar o aspecto semipaisagístico de quem está no calçadão da Roberto Freire de poder avistar o Morro do Careca e seu entorno.
“E como são áreas que não tem fragilidades ambientais e são urbanamente consolidadas e a região tem uma vocação natural para a atividade turística e a maior parte dos lotes nessa área é de terrenos baldios nos quais as pessoas jogam lixo, vamos permitir edificações, mas garantindo o objetivo que tornou esse trecho ‘non aedificandi’”, diz Thiago.
A partir da revisão, as nove quadras em que era proibido construir poderão receber edificações, mas só do plano da calçada para baixo justamente para não atrapalhar a vista do Morro do Careca de quem caminha pelo calçadão da Avenida Roberto Freire.
A arquiteta Sofia Mota, que acompanha de perto os debates do Plano Diretor, explica que por causa da exigência anterior surgiram na área food parks que adicionaram à paisagem construções não edificadas, que são os próprios truks, e palmeiras.
“As palmeiras não são áreas construídas evidentemente, mas elas trazem sim um obstáculo à paisagem. Então o Plano Diretor atualiza esse instrumento e a partir da calçada da Roberto Freire para baixo pode haver edificações, mas preservando a paisagem e dando um uso a essas áreas”, acrescenta.
Explica que a função social do lote urbano, segundo o Estatuto das Cidades, é ser urbanizada, logo, a função social da propriedade é ser urbanizada. “E a atualização do PD traz essa possibilidade numa topografia bem acidentada, injetando mais urbanidade para a cidade”.
E Thiago Mesquita acrescenta mais esta explicação: “Com isto, altera-se o nível de ocupação, permitindo construções a partir de um processo de licenciamento ambiental e urbanístico, mas garantindo o aspecto semi-paisagístico. Quem construir ali poderá cavar, mas não exceder a altura acima do nível da Roberto Freire. Além disso, a parte do bairro, aquela que não envolve a zona de interesse turístico, do lado direito da Roberto Freire para quem vai ao sentido praia, o coeficiente de aproveitamento do lote, que hoje é de 1.2 passará para 3.5, vinculado à melhoria significativa de infraestrutura, principalmente das bacias de esgotamento sanitário no bairro”.
Para Habib Chalita, presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes Bares e Similares do Rio Grande do Norte (SHRBS), são grandes notícias. Para ele, o Nordeste vem hoje numa batida de desenvolvimento muito forte, especialmente o imobiliário, cuja atração de negócio depende muito do desenvolvimento turístico e da segurança jurídica.
“Temos hoje o nosso corredor turístico que é de Ponta Negra até a Redinha, nossas praias urbanas, totalmente atrasadas. Temos hoje um desenvolvimento imobiliário lento, quase que travado, porque se pode desenvolver em poucos pontos dentro da capital e em locais que já tenham grande densidade. O Plano Diretor de Natal, na pessoa do Thiago Mesquita, está fazendo um excelente trabalho. O prefeito pôs uma equipe técnica de nível para cuidar desse assunto. Natal hoje é a única cidade do Nordeste a fazer essa revisão”, lembra o empresário.
Segundo ele, 99% dos turistas que vem a Natal querem conhecer Ponta Negra e quando chegam se deparam com um ponto turístico abandonado, entregue a assaltos, facções criminosas e isto mostra como turismo da capital vem apanhando dos concorrentes.
“Natal chegou a ensinar turismo ao Nordeste. E o Nordeste hoje está muito à frente de Natal. Temos hoje a melhor estrutura hoteleira da região. E, ao mesmo tempo, a pior estrutura. Basta olhar para Ponta Negra, para a Via Costeira, as praias urbanas até o Forte dos Reis Magos. A estrutura litorânea de Natal merece de imediato um tratamento diferenciado”, assinala.
Chalita acredita que, em 2023, Ponta Negra terá uma nova roupagem e um novo modelo de desenvolvimento. “E aqui temos o maior núcleo de hospedagem e de restaurantes. O apelo turismo de Ponta Negra, porém, ainda fica a desejar e por isso precisa ser muito bem tratado, muito bem debatido para os que os turistas possam voltar a usufruir da praia”, finaliza.
Para Abdon Gosson, presidente da Associação Brasileira da Indústria Hoteleira no RN, o Plano Diretor em Ponta Negra, caso seja aprovado como está, será “o primeiro passo para construir um projeto turístico na área não edificante no bairro. E remete a uma regulamentação futura que não ultrapasse o nível da Avenida Roberto Freire, utilizando um uso mais nobre da área, conciliando a preservação da paisagem e criando novos e importantes produtos turísticos.
Plano Diretor quer meio ambiente e desenvolvimento econômico
Três perguntas para Marcelo Queiroz, presidente da Fecomercio do RN sobre as mudanças propostas para Ponta Negra
Agora RN – Qual a importância do Plano Diretor especificamente sobre o bairro de Ponta Negra?
Marcelo Queiroz: Um primeiro ponto que eu destacaria e é importante deixar claro é que não haverá verticalização em Ponta Negra. A proposta é dar a possibilidade de utilização às nove quadras existentes na lateral da avenida, hoje não edificantes. A partir do nível da calçada da Avenida Roberto Freire para baixo, será permitida a construção de complexos comerciais e de lazer. Considerando o nível da avenida para cima, o máximo de construção permitida é 1m de guarda-corpo.
Agora RN: O senhor acredita que o Plano Diretor pode resolver gargalos turísticos e empresariais com o reordenamento desse bairro turístico?
Marcelo Queiroz: Isso irá permitir que Natal receba um novo equipamento de lazer para a população e para os turistas, dando novas possibilidades para instalação de bares, restaurantes e outros serviços. Com certeza, será um atrativo a mais para o nosso destino.
Agora RN: Como o senhor conceituaria esse plano com tantos anos de atraso?
Marcelo Queiroz: Eu tenho destacado que o novo Plano Diretor nos traz uma visão contemporânea e focada no desenvolvimento sustentável da cidade e irá incentivar melhorias urbanas, criando novas zonas propensas a investimentos dos mais variados, conciliando os interesses sociais, econômicos e a preservação do meio-ambiente e da paisagem de Natal.
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