As questões de sustentabilidade têm potencial para afetar a estabilidade do poder de compra de uma moeda, como o Real, e também a estabilidade financeira do país. Não por menos, as ações de sustentabilidade ganharam importância nos bancos centrais de países do mundo inteiro, inclusive no Banco Central do Brasil. É o que nos conta nesta entrevista – exclusiva ao Além da Energia – o presidente do Banco Central do Brasil – Roberto Campos Neto.
Qual é o direcionamento ESG do Banco Central do Brasil?
A questão ambiental e climática, que há muito tempo é tema de grande importância na agenda internacional, ganhou um impulso ainda mais significativo após a pandemia da Covid-19. A sociedade demanda cada vez mais que a recuperação seja sustentável e inclusiva. Estamos cientes das crescentes preocupações com o desenvolvimento sustentável, bem como com os riscos sociais, ambientais e climáticos.
No caso dos bancos centrais, o direcionamento é agir dentro de seus mandatos, uma vez que as questões relacionadas à sustentabilidade têm potencial para afetar as suas duas principais missões institucionais: a estabilidade do poder de compra da moeda e a estabilidade financeira.
No Brasil, o Banco Central (BC) tem uma longa história de apoio à agenda ambiental, implementando medidas diretamente relacionadas ao tema e participando ativamente do debate internacional. Dando continuidade a essa atuação, o BC lançou no ano passado uma ampla agenda de sustentabilidade, como parte da Agenda BC#, que é a nossa agenda de medidas estruturais, com iniciativas envolvendo ações internas, de regulação e supervisão, e parcerias.
Nosso objetivo é liderar pelo exemplo e, agindo dentro do nosso mandato, criar as condições para o desenvolvimento de finanças sustentáveis no Sistema Financeiro Nacional (SFN), promovendo: as melhores práticas internacionais relacionadas a finanças sustentáveis; uma maior disponibilidade de recursos do sistema financeiro para empreendimentos sustentáveis; e um melhor gerenciamento dos riscos sociais, ambientais e climáticos no SFN.
Como o Banco Central avalia o avanço do setor financeiro brasileiro para os aspectos ESG?
Eu entendo que o amadurecimento da sociedade em termos de questões climáticas ocorreu em etapas. Inicialmente, havia uma maior demanda por produção de energia limpa. Depois passamos para uma fase que incluiu a produção de alimentos respeitando o meio ambiente, com uma agricultura mais sustentável. Atualmente, estamos numa fase em que a sociedade demanda que os investidores sigam políticas de governança para a questão ambiental, que beneficiem o financiamento às empresas em conformidade com as premissas de sustentabilidade.
Como mencionei, uma atuação voltada para a sustentabilidade não é algo novo no BC. Por exemplo, ao longo dos anos 2000 há alguns normativos tratando da questão ambiental. Em 2014, lançamos as diretrizes para as políticas de responsabilidade socioambiental das instituições financeiras. Em 2017, incluímos o risco socioambiental entre aqueles que as instituições financeiras devem identificar, mensurar, avaliar, monitorar, reportar, controlar e mitigar.
Mais recentemente, divulgamos novos normativos aperfeiçoando as regras sobre a política de responsabilidade das instituições financeiras e o gerenciamento de riscos sociais, ambientais e climáticos, e estabelecendo requisitos para a divulgação de informações sobre a governança e gestão desses riscos.
A evolução dessa agenda sustentável no setor financeiro e na sociedade de maneira geral tem sido rápida e positiva. Percebe-se claramente que a pandemia da Covid-19 acelerou as transformações e a consciência em relação à necessidade de pensarmos em uma recuperação inclusiva e sustentável. A incorporação da dimensão Sustentabilidade em nossa agenda de trabalho é parte desse amadurecimento.
Pode nos dar mais detalhes das premissas do BC# Sustentabilidade, lançado em setembro de 2020?
Um princípio fundamental da nossa agenda de sustentabilidade, como já mencionei, é a adoção de medidas dentro do mandato do BC.
Uma segunda premissa é permanecer na fronteira do conhecimento e das ações para enfrentar os desafios sociais, ambientais e climáticos. A atuação de bancos centrais e do mercado financeiro em finanças sustentáveis e na mitigação dos efeitos desses riscos é um tema em franco desenvolvimento, no Brasil e no mundo. É nessa fronteira que precisamos estar. E o Brasil tem enorme potencial de desenvolvimento nessa área.
Finalmente, gostaria de destacar o diálogo e interação com outras instituições como outro princípio de nossa agenda. Os desafios para o sistema financeiro trazidos por alterações climáticas demandam uma ação coordenada e global. A nossa crescente interação com outros bancos centrais e organismos internacionais, assim como o frequente diálogo com instituições financeiras, são importantes para determinar a evolução de nossa atuação e minimizar os efeitos de riscos climáticos na nossa economia e sistema financeiro. Essas interações permitem a troca de experiências e melhores práticas, enriquecendo nossa visão prospectiva dos riscos associados às mudanças climáticas.
Como esse direcionamento evoluiu desde 2014, quando a Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) do Banco Central do Brasil foi instituída?
A Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) foi instituída em 2014, por meio da Resolução CMN nº 4.327, de 25 de abril daquele ano. Naquele momento, o BC foi reconhecido internacionalmente pela sua atuação proativa no estabelecimento de medidas prudenciais sobre aspectos sociais e ambientais, destacando-se na vanguarda entre seus pares. Desde a edição desse normativo, os debates internacionais sobre o tema ganharam destaque, com foco sobretudo nos desdobramentos dos compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris, de 2015.
A ocorrência cada vez mais frequente de eventos meteorológicos severos e o processo de transição para uma economia de baixo carbono podem gerar perdas para as instituições do sistema financeiro. Nesse cenário, cabe ao BC, como propositor de regras aplicáveis às instituições reguladas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o papel de assegurar a prudência do SFN na condução de suas atividades e a solidez para absorver possíveis impactos negativos de eventos imprevistos.
Mostra-se oportuno que as instituições reforcem suas estruturas de gerenciamento de riscos, com atuação prospectiva diante da possibilidade de incorrerem em perdas, e aprimorem suas políticas de responsabilidade diante dos novos desafios e oportunidades. Mais compatíveis com a nova realidade, as políticas de responsabilidade tendem a ser um importante instrumento reputacional e de orientação estratégica, para que as instituições conduzam os seus negócios rumo a uma economia mais sustentável, reduzindo, assim, possíveis impactos negativos decorrentes do processo de adaptação.
Recentemente, o CMN aprovou um conjunto de medidas prudenciais com o objetivo de aperfeiçoar as regras sobre a estrutura de gerenciamento de riscos e a política de responsabilidade aplicáveis às instituições financeiras. Entendemos que essas mudanças e seus desdobramentos futuros colocarão o Brasil e o SFN em outro patamar nas questões de sustentabilidade.
O Além da Energia noticiou, recentemente, a abertura da Consulta Pública 85/2021, sobre a definição de novas regras para gerenciamento de risco e ESG. Em que status está o processo e como ele deve nortear ações de ESG do sistema financeiro brasileiro nos próximos anos?
A Consulta Pública nº 85/2021 recebeu, durante o período de 7 de abril a 5 de junho, inúmeras contribuições do setor financeiro, de especialistas no tema “sustentabilidade”, incluindo acadêmicos, e de membros da sociedade civil em geral.
Ao longo desse processo de consulta pública, foram também promovidos debates e encontros do BC com as partes interessadas no tema para esclarecer as propostas, os objetivos e as expectativas em relação ao conjunto de normativos que irão formar o novo arcabouço prudencial que trata das questões ESG e das mudanças climáticas no mercado financeiro brasileiro.
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