Desde o início da pandemia, ainda nos primeiros meses de 2020, a venda de medicamentos antidepressivos e estabilizadores de humor disparou em todo o país, e no Rio Grande do Norte, o aumento do consumo desses fármacos chegou a 47% em 2022, ao se comparar com 2019, o último ano antes da crise sanitária global.
Os dados são do Conselho Federal de Farmácia (CFF) e mostram que os números do nosso estado estão acima da média nacional. No Brasil, o aumento do consumo em 2022 comparado a 2019 foi de 36%.
Em números absolutos, o Rio Grande do Norte consumiu, em 2019, 1,143 milhão de medicamentos antidepressivos e estabilizadores de humor. Já em 2022 ficou com 1,678 milhão, um acréscimo de mais de 535 mil medicamentos.
Especialistas alertam que o aumento no consumo desse tipo de medicamento vem acontecendo gradativamente e já era notado antes mesmo da pandemia de covid-19. Ana Izabel Lima, doutora em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e conselheira titular do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Norte (CRP-RN), diz que “Se buscarmos nas estatísticas, veremos que o aumento progressivo de medicamentos não foi só de 2019 para cá. Com o passar do tempo está acontecendo realmente um crescimento do consumo de medicamentos psicotrópicos, que mexem com o funcionamento do cérebro”.
Ela cita alguns fatores que têm contribuído para essa demanda cada vez maior. “Não podemos considerar somente uma causa ou um fator predominante para esse aumento, mas acredito que a junção de diversos fatores, como por exemplo: o aumento na taxa de crimes contra a mulher, violência contra a criança e o adolescente, além da desigualdade social colocando muitas famílias em um estado de vulnerabilidade gritante, e até o próprio acesso ao serviço de saúde mental, que de uns anos para cá está definhando”, explica a psicóloga Ana Izabel Lima.
Contudo, ela não deixa de destacar os impactos causados pela pandemia de Covid-19. “A gente teve que mudar completamente a nossa vida, a maneira de entender higiene e relacionamentos. A gente teve que ficar isolado por um tempo. Então a própria mudança, toda essa revolução que a pandemia proporcionou impacta e evidentemente se relaciona com esse aumento do consumo de medicamentos”, diz Ana Lima.
O problema da automedicação
Apesar de os medicamentos serem vistos como uma solução para o sofrimento, eles também podem gerar preocupações, principalmente quando há um aumento evidente de consumo, como no caso dos antidepressivos e estabilizadores de humor. O professor doutor Wogel Sanger Oliveira, que é farmacêutico e psicólogo, fala sobre algumas dessas preocupações e aponta que esse aumento deve atrair a atenção das autoridades brasileiras, órgãos de vigilância e de todos os especialistas da área de saúde.
“Obviamente, essa circunstância da pandemia potencializou costumes e hábitos anteriormente estabelecidos, como o uso indiscriminado de medicamentos, a prática da automedicação e o aumento das polifarmácias (que ocorre quando são usados rotineiramente e concomitantemente quatro ou mais medicamentos). Sabemos que existe uma grande cadeia de eventos que precisa ser rotineiramente observada. De um lado, temos as indústrias com toda a sua capacidade de produção e comercialização, a grande quantidade de estabelecimentos farmacêuticos disponíveis e o maior rigor na dispensação e orientação correta do uso de medicamentos. Do outro lado, temos o cidadão que se encontra em uma condição de labilidade física, emocional e social sem precedentes”, explica o professor Wogel Sanger Oliveira, que também é professor do curso de Medicina na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
Outro ponto abordado pelo professor Wogel Oliveira é o das possíveis reações adversas ao uso desses medicamentos. Ele explica que elas podem ocorrer mesmo com o uso correto do fármaco. “Essa condição deve-se não somente ao efeito da substância em si, mas também à forma como cada organismo, com toda a sua individualidade, interage com esse determinado medicamento. É importante considerar que boa parte das respostas terapêuticas no paciente são observadas, em média, após duas semanas. Alguns dos efeitos mais comuns são a alteração do sono, a alteração do movimento intestinal, o ganho de peso, a alteração da libido, a sudorese noturna e a movimentação mais lenta. Muitas dessas medidas podem ser contornadas mediante troca da prescrição médica ou ajustes de condutas sob orientação do profissional farmacêutico”, explica o professor Wogel Sanger Oliveira, que também fala sobre o uso de medicamentos em seu perfil no Instagram (@dr.wogelsanger).
Dependência química e danos à saúde
Outra grande questão abordada pelos especialistas ouvidos pelo NOVO é a dos danos causados pelo abuso no consumo de antidepressivos. A professora Ana Izabel Lima faz considerações sobre opções para evitar o uso de medicamentos e a consequente dependência. “Existem medicamentos que têm essa interação tão forte que causam a dependência química, psicológica e tudo mais. Então, uma grande via para a gente repensar essa questão do medicamento é investir em práticas de saúde mental para auxiliar a pessoa a lidar com as dificuldades que ela passa no dia a dia e entender que existem outras formas de cuidar da saúde mental além do uso de medicamentos”, diz a psicóloga Ana Izabel Lima.
De acordo com a especialista, o grande desafio da sociedade atual é ampliar a visão sobre o tema e buscar outras formas de cuidado para as questões de saúde mental. Ela destacou a importância de entender que existem outras possibilidades de cuidado, como a busca por profissionais especializados em psicologia, terapia ocupacional e outras especialidades, além de atividades como cultura, lazer, exercícios físicos, interação social e formação de grupos e coletivos organizados. A especialista ressalta que a saúde mental deve ser analisado para além da patologia e do uso de medicamentos.
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