O primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, e o ministro da Defesa, Boris Pistorius, em entrega de equipamentos às Forças Armadas – Foto:
À sombra de mísseis balísticos capazes de alcançar qualquer uma de suas capitais, a Europa começa a se acostumar com a ideia de uma guerra ampliada em seu território. Países nórdicos renovaram cartilhas de instrução para a população e, na Alemanha, empresas estão sendo contatadas para discutir algo que já não parece tão improvável: como o país deve se preparar para a expansão do conflito na Ucrânia.
Segundo o Frankfurter Allgemeine Zeitung, as Forças Armadas alemãs vêm elaborando um documento secreto com instruções detalhadas para os diversos setores da maior economia do continente. O compêndio da Bundeswehr já teria mil páginas e não deve parar de crescer, segundo declarou um oficial ao jornal econômico.
Estariam contemplados distintos cenários, com ou sem envolvimento direto da Alemanha no conflito. Uma guerra que transborde as fronteiras ucranianas deverá provocar intensa movimentação de tropas da Otan, a aliança militar ocidental. O território alemão, pela posição estratégica e pela infraestrutura militar, teria que estar preparado para absorver dezenas ou até mesmo centenas de milhares de soldados, por exemplo.
Também teria que proteger diversas instalações estratégicas para o funcionamento do país e de suas Armas. As instruções de nível privado já estão sendo debatidas em palestras com empresas em algumas regiões do país.
Em um desses encontros, em Hamburgo, uma das instruções a empresários era, a cada cem funcionários, treinar cinco para dirigir caminhões. A medida seria necessária diante de uma eventual falta de mão de obra _70% dos condutores profissionais na Alemanha são oriundos do leste europeu.
Outros tipos de treinamento seriam necessários, como o de manejo de equipamentos de uso eventual, geradores e centrais de energia autônoma.
O plano também contemplaria questões de vigilância interna e externa, que se tornaria muito mais invasiva para coibir ações de sabotagem, drones e desinformação. Os ataques híbridos de Moscou, frequentes na Ucrânia e denunciados pela União Europeia em episódios recentes, como as eleições na Moldova e na Geórgia, também exigirão mais investimento em cibersegurança.
O documento do Exército mencionaria ainda dispositivos já existentes na legislação alemã, como a capacidade do estado em recrutar mão de obra empregada no setor privado para atender demandas de emergência. Dentro de certas condições, as empresas são impedidas de recusar eventuais pedidos.
Outro dispositivo antigo prevê a distribuição de vale-alimentação em caso de escassez ou racionamento, herança de um século 20 em que a Alemanha foi protagonista de duas guerras mundiais.
O arcabouço legal pode ser usado também para intervir em setores ou empresas que possam se tornar ameaça à soberania nacional. Logo após a invasão russa na Ucrânia, em 2022, foi ele que permitiu a rápida intervenção estatal no setor de gás, então dominado por companhias russas.
Ainda que o tom das instruções sugiram um cenário de emergência, os representantes do Exército não miram exatamente o curto prazo. Em uma das palestras, um oficial afirmou que a Rússia levaria cinco para reunir condições de ampliar o conflito no leste europeu. O problema seria justamente que a preparação do potencial oponente já começou.
Folhapress
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