Fonte: Novo Jornal
O único serviço de realização de cirurgias bariátricas feito por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) no Rio Grande do Norte, operacionalizado pelo do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), passa atualmente por uma crise que afeta diretamente os pacientes. Apesar de haver uma fila com cerca de 900 pessoas à espera de cirurgia bariátrica, também conhecida como redução de estômago, um corte nos repasses do governo federal contingenciou cerca de 30% o orçamento mensal do hospital, que é de cerca de R$ 3 milhões por mês. O resultado foi uma redução mensal de R$ 900 mil por mês desde o início do ano. De acordo com profissionais que fazem parte do Serviço de Cirurgia da Obesidade e Doenças Relacionadas (Scode) do HUOL, a retenção orçamentária vem sendo implementada desde a reeleição da presidente Dilma Rousseff, mais precisamente quando foram realizados os cortes nos orçamentos ministeriais pelo governo federal. Os profissionais, que lidam no dia a dia atendendo aos pacientes, garantem que o corte causou um impacto significativo nas cirurgias. De acordo com o cirurgião Igor Marreiros, que faz parte do Scode, antes do corte no orçamento o limite operacional do hospital era entre 20 e 25 cirurgias de redução de estômago por mês. Após o corte a média caiu para nove cirurgias/mês. Paralela a essa diminuição na realização dos procedimentos, a fila de pacientes tem aumentado significativamente. Todos os meses em média 40 novos pacientes entram no final da fila e ficam aguardando durante anos até conseguir uma cirurgia. Segundo Igor Marreiros, a espera média dos pacientes dura em torno de quatro anos. Atualmente o HUOL está atendendo aos que foram cadastrados em 2011 e 2012. Até meados de 2012 a fila de espera estava em torno de 300 pacientes; como hoje está em cerca de 900 o aumento aproximado foi de 200% em um período aproximado de três anos. “A gente está levando em torno de quatro anos agora para operar, mas a cada ano esse prazo está aumentando, cada ano a gente percebe que estamos operando pacientes que a gente atendeu há mais tempo”, observa Marreiros. De janeiro a agosto do ano passado foram realizadas 55 cirurgias bariátricas; no mesmo período desse ano – até a última quarta (26) – foram feitas 49, o que resulta uma redução de 10,9%. “É muito crítico você ver pacientes que têm necessidade de uma cirurgia urgente e no máximo quando a gente consegue priorizar um caso mais grave ainda leva em torno de quatro a seis meses para operar. A gente sabe que tem pessoas que vão morrer ou vão ter uma piora grande por não ter acesso ao tratamento, mas infelizmente esse tem sido o dia a dia de toda a saúde pública”, lamenta o cirurgião. Quem confirma a constatação é a coordenadora administrativa do Scode, Márcia Toscano. Ela é responsável por manter o contato com os pacientes que estão na fila de espera e com os que já estão em tratamento pré-operatório. “Já aconteceu várias vezes de eu ligar e pedir para falar com o paciente e a pessoa que atendeu dizer que se eu tivesse ligado há seis meses talvez o paciente ainda estivesse vivo, porque ele morreu de um infarto. Nós não temos um número exato de óbitos, mas por incrível que pareça é pouco”, confirma Márcia. A limitação de 30% do orçamento causou dificuldades em relação à compra de material para as cirurgias bariátricas. Os procedimentos no HUOL são feitos por meio da técnica de videolaparoscopia, que é o que se tem de mais avançado nesse tipo de cirurgia e consequentemente torna o material mais caro. O procedimento é feito com auxílio de uma câmera de vídeo e um grampeador elétrico, que é utilizado para fechar as pequenas incisões no paciente. Cada vez que o grampeador é usado, ele gasta uma carga. Em cada cirurgia geralmente são usadas entre oito e dez cargas, sendo que cada carga custa R$ 1 mil. Dada a dificuldade por que passa o Onofre Lopes, em cada cirurgia o hospital utiliza apenas uma carga do grampeador. As demais incisões são fechadas manualmente por meio de sutura. Apesar da economia nos procedimentos, a última vez que o HUOL realizou uma cirurgia desse tipo foi no início de agosto, devido à falta de material. A previsão, conforme expectativa do Scode, é que ainda esse mês chegue ao hospital o material, que está sendo licitado. Exercício de paciência Foram quatro anos de espera até que Desílio André Fernandes, autônomo, 27, conseguisse ser chamado para passar pelas primeiras avaliações médicas e fazer os exames pré-operatórios. Ele recebeu a ligação do Onofre Lopes no mês passado, quando não tinha mais esperança de que seria operado. “A gente acha que não vai mais ser chamado. Para quem não tem condições e depende do serviço público, fica como se à espera de um milagre”, diz o paciente. Atualmente ele está na fase de triagem, já tendo passado por avaliações com a psicóloga e com a fonoaudióloga do HUOL. Agora aguarda o resultado do exame de risco cirúrgico. Desílio pesa 188,5 quilos e mede 1,93 metro. Seu índice de massa corpórea (IMC) é de 50,6. O IMC ideal - o que varia conforme o peso e a altura do indivíduo - é entre 18,5 e 24,99. Desílio sofre de obesidade mórbida grau 3, o que aumenta em 90% o risco de doenças associadas à obesidade, como diabetes, reumatismos, hipertensão e outros problemas cardiovasculares. “Como nunca fui magro, não sei o que vai acontecer comigo após essa cirurgia, mas acho que posso comparar com um período quando perdi 25 quilos e lembro que tinha uma qualidade de vida melhor. Então acho que vai melhorar minha autoestima e minha saúde”, espera Desílio André. Embora o paciente esteja otimista e contando com o apoio da família, sua luta agora será contra a balança. Ele tem que perder entre 18 e 20 quilos para ser submetido ao procedimento, que ainda não tem previsão para acontecer. O principal problema da demora dos pacientes na fila é que em alguns casos a saúde do paciente se agrava no período em que ele aguarda pelo procedimento. Em casos mais extremos, conforme relatado por Márcia Toscano, alguns pacientes chegam a falecer sem sequer serem chamados para a intervenção. De acordo com o que estima o cirurgião Igor Marreiros, a necessidade atual do Rio Grande do Norte é que a rede pública de saúde do estado realize pelo menos 80 cirurgias bariátricas por mês para que a fila de espera comece a diminuir. A estimativa é que atualmente existem no estado em torno de 280 mil pessoas com indicação de cirurgia bariátrica. São pessoas com obesidade grau três ou grau dois com doenças associadas. Grande parte desse universo, no entanto, sequer procura ajuda médica. “muitos nem querem fazer a cirurgia e essa população de obesos vem crescendo nos últimos anos”, complementa Igor. Conforme revelou a síntese da Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE) relativa ao ano de 2013, divulgada na sexta-feira 21, o Rio Grande do Norte é o estado do Nordeste com o maior índice de pessoas obesas e com sobrepeso. A pesquisa mostra que 58,3% dos potiguares têm excesso de peso e que 21,1% são considerados obesos. Os números colocam o RN em 8º lugar (em excesso de peso) e 12º (em obesidade) no ranking nacional nas duas categorias.
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