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sábado, 26 de setembro de 2015

'Arrastão ostentação': Suspeitos no RJ expõem cotidiano de violência na web



Fonte: BBC 

"Mó 'responsa', meu 'Face' tá passando na TV", escreve o adolescente J.A., morador da Vila Kennedy (Zona Oeste do Rio de Janeiro), para seus 3 mil seguidores no Facebook.
Em minutos, ele comemora mais de 200 curtidas e elogios, tudo graças à reportagem que o mostrava entre os suspeitos dos arrastões no último domingo em praias cariocas. "Os 'moleque' estão roubando a cena na Globo!", "'Nóis' passou na Record também".
Um de seus vizinhos, seguido por mais de 5 mil pessoas, publica uma selfie sem camisa, com o peito coberto por cinco correntes douradas sobrepostas. "Zona Sul é minha vitrine, lá escolho o meu 'maciço'", diz, usando gíria comum na região para colares de ouro.
Avessos a entrevistas, mas animados com o alcance midiático dos assaltos, os jovens suspeitos de promover arrastões vêm transformando redes sociais em janelas para seu cotidiano em locais que ocupam o topo das estatísticas de violência no Rio – como Penha, Jacarezinho e Manguinhos.
Em seus perfis e grupos de discussão, eles compartilham fotos de jornais com flagrantes de assaltos ("aceita que dói menos"), imagens aéreas da correria em praias ("olha eu ali de branco") e registros caseiros de fuzis, carabinas e drogas ("hoje a noite vai ser pesada").
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Image captionColares dourados estão entre as imagens mais compartilhadas pelas páginas ligadas a arrastões
As fotos são tiradas com celulares, em lajes ou pequenos cômodos localizados no eixo mais pobre da cidade, a dezenas de quilômetros da orla.
A distância não é só física: em Ipanema, um dos principais alvos dos arrastões, a renda mensal por morador é de R$ 6 mil e 60% das pessoas têm ensino superior completo, segundo o Atlas Brasil, da ONU.
Já no Jacarezinho, de onde vêm muitos dos jovens, a renda per capita não chega a R$ 440 e só 1 em cada 100 moradores completa a faculdade.
De origem desconhecida, a frase "Enquanto não houver justiça para os pobres, não haverá paz para os ricos" se repete em dezenas de perfis ligados aos arrastões.

‘Direito de ir e vir’

À BBC Brasil, em nota, a Polícia Militar fluminense disse que 80 pessoas foram apreendidas na orla da Zona Sul e levadas a delegacias ou abrigos no fim de semana.
Depois dos últimos arrastões, o governador do Estado, Luiz Fernando Pezão, e seu secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, defenderam que "jovens suspeitos" sejam impedidos de chegar às praias – contrariando o Ministério Público do RJ, que recomenda apreensões apenas em casos de flagrantes.
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Image caption“Entre 6 e 10% dos moradores de favelas se envolvem com algum tipo de crime. A esmagadora maioria não tem nada a ver com ladrões ou tráfico”, diz pesquisador da UFRJ
"Se tiver um ônibus com adolescentes que não pagaram passagem, que estão descalços, de bermuda, sem documento, leva pra delegacia e os pais vêm buscar", disse Pezão, prometendo tolerância zero a arrastões. De acordo com Beltrame, "a polícia vai agir de maneira que a população tenha o seu direito de ir e vir garantido".
Mas para Michel Misse, diretor do Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ (Necvu), o principal risco dos arrastões é justamente uma ameaça ao direito de ir e vir – só que da população mais pobre.
"Entre 6% e 10% dos moradores de favelas se envolvem com algum tipo de crime. A esmagadora maioria não tem nada a ver com ladrões ou tráfico", diz o professor, que pesquisa violência há 35 anos.
"O efeito de uma abordagem generalista nos ônibus, sem inteligência policial, será mais uma vez a criminalização de pessoas que já vivem privadas do direito à cidadania", afirma. "E a polícia carioca nunca esteve preocupada em distinguir entre pobres e bandidos."
"Não se trata de racismo, mas de vulnerabilidade", diz Beltrame.
"Como um jovem sai de Nova Iguaçu, a 30 km de distância da praia, sem dinheiro para comer, beber, pagar a passagem, só de bermuda?", indagou em entrevista coletiva.

Coretos, ouro e celulares

Presente em classes sociais distintas – do "champanhe que pisca" nos camarotes de casas noturnas de luxo ao funk de MC Guimé nas aberturas de novelas –, a moda da ostentação também está na raiz dos tumultos registrados em praias cariocas.
Na disputa por status, quem aparece no Facebook com mais correntes de ouro, pilhas de notas de R$ 50 e R$ 100, celulares (iPhones e Moto G) ou bicicletas ganha título de "patrão", novos seguidores e prestígio nos "coretos".
O termo se refere à autodenominação de diferentes "bondes" ou grupos de adolescentes que se reúnem para praticar furtos em áreas ricas.
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Image captionJovens se organizam em coretos, termo ligado a "bondes" ou grupos de adolescentes que se reúnem para praticar furtos
As descrições dos coretos trazem referências a crimes previstos no Código Penal. As mais frequentes aparecem na internet como hashtags: #155 (furto) e #157 (roubo).
De acordo com policiais, os coretos seriam parte do núcleo armado do tráfico e seus integrantes teriam autorização para praticar roubos na Zona Sul. Entre os principais alvos dos coretos estariam bicicletas, que depois seriam vendidas em sites de compras.
Para Misse, da UFRJ, a ousadia das postagens tem a ver com a invisibilidade desses jovens na sociedade.

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