Depois de mais de um ano sem comunicação direta, o presidente chinês, Xi Jinping, e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, conversaram por telefone em 26 de abril de 2023.
Segundo Pequim, "os dois lados trocaram opiniões sobre as relações China-Ucrânia e a crise da Ucrânia", mas, para o restante do mundo, o contato foi encarado como uma tentativa dos chineses de se apresentarem como moderadores da paz.
Já Zelensky tuitou que "teve um telefonema longo e significativo" com Xi, e depois falou mais em seu canal no Telegram: disse que atenção especial foi "prestada às formas de possível cooperação para estabelecer uma paz justa e sustentável para a Ucrânia".
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O resultado mais concreto do telefonema é a confirmação de Xi de que a China nomeará um representante especial para os assuntos da Eurásia na Ucrânia "para ter uma comunicação profunda com todas as partes sobre a solução política da crise na Ucrânia".
No mínimo, isso sinaliza que a China está levando a sério seus esforços de mediação e julga que é o momento certo para isso, até devido às tensões crescentes na aliança ocidental e das dúvidas sobre o sucesso de uma contra-ofensiva ucraniana.
O movimento da China é outra indicação de uma mudança na ordem internacional que Pequim está interessada cada vez mais em moldar.
O que está imediatamente em jogo para a China é a sua relação com a União Europeia.
Para os países membros da UE, a guerra na Ucrânia, incluindo uma possível escalada, é uma preocupação de segurança muito mais severa do que para a China.
As autoridades europeias pediram repetidamente a Pequim que usasse sua influência sobre Moscou para "trazer a Rússia à razão", como disse o presidente francês Emmanuel Macron em sua recente visita à China.
Outros funcionários do alto escalão da UE — da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, passando pelo alto representante do bloco para relações exteriores, Josep Borrell — também não deixaram dúvidas de que a posição da China sobre a guerra na Ucrânia moldará o futuro das relações UE-China.
Dada a importância econômica que a UE e a China têm uma para a outra, ambos os lados têm interesse em um relacionamento estável e construtivo.
As relações China-UE são, obviamente, parte de um quadro mais amplo das relações entre a China e o Ocidente. No entanto, mesmo aqui, há alguns sinais de uma possível abertura.
A secretária do Tesouro dos EUA, Jane Yellen, reconheceu que "negociar os contornos do engajamento entre grandes potências é difícil", mas também observou que Pequim e Washington "podem encontrar um caminho a seguir se a China também estiver disposta a fazer sua parte".
O telefonema de Xi-Zelenskiy se encaixa em uma coreografia cuidadosa e frágil de movimentos que podem gradualmente levar a uma gestão mais eficaz da guerra na Ucrânia que, inicialmente, impediria uma nova escalada e, eventualmente, abriria caminho para um acordo.
Embora não resolvesse todas as questões contenciosas nas relações China-Ocidente, removeria uma questão particularmente problemática da lista de preocupações imediatas.
Ao mesmo tempo, a China precisa da Rússia como alavanca em sua grande competição de poder com o Ocidente, e é improvável que Xi abandone sua parceria com Putin.
Mas a China também precisa de uma Rússia mais controlável, e isso significa que a China precisa do fim da guerra na Ucrânia, que ainda tem potencial para aumentar ainda mais.
Ao conter a Rússia sobre a Ucrânia, Xi pode estabelecer firmemente a China como um garantidor indispensável da segurança sustentável e da estabilidade na Europa.
Riscos para o Ocidente
Se a iniciativa chinesa receber o benefício da dúvida em Bruxelas e Washington e ganhar força em Kiev e Moscou, isso dará a Pequim uma grande oportunidade de começar a moldar uma nova ordem de segurança eurasiana.
Embora o Ocidente possa e esteja disposto a conter o Kremlin militarmente e isolar a Rússia economicamente, Xi terá um papel importante a desempenhar na gestão política de Putin.
Em outras palavras, o cálculo de Pequim pode muito bem ser que, para a Europa recuperar um pouco de estabilidade e segurança, a cooperação da China será essencial.
Isso não diminui a importância da relação de segurança transatlântica incorporada pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar ocidental), mas significaria um reconhecimento da dinâmica fundamentalmente alterada da ordem europeia e do papel muito mais crítico da China dentro dela.
Trazer um fim negociado para a guerra na Ucrânia pode levar algum tempo e exigir mais do que apenas a mediação de Pequim.
Mas mesmo o fim dos combates na Ucrânia na forma de um cessar-fogo estável poderia beneficiar a China.
Tal resultado intermediário tornaria mais provável, por exemplo, que o acordo do Mar Negro, que permite à Ucrânia exportar seus grãos, fosse prorrogado novamente, aliviando a crise global de alimentos.
Isso consolidaria a influência e a liderança da China no mundo em desenvolvimento, consolidando ainda mais seu status como um importante intermediário de poder na nova ordem bipolar esboçada em um documento de 2019 intitulado China and the World in the New Era (China e o Mundo na Nova Era).
A construção de uma nova ordem internacional
Embora o envolvimento mais aberto da China nos esforços de mediação para acabar com a guerra na Ucrânia possa avançar significativamente a visão de Pequim de uma nova ordem internacional, Xi não está imune a riscos.
Como observou Zelensky em seu telefonema com Xi, “a integridade territorial da Ucrânia deve ser restaurada dentro das fronteiras de 1991”.
A reação previsível da Rússia, apresentada pela porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, foi acusar a Ucrânia de vincular sua disposição de negociar "com ultimatos contendo… exigências irrealistas".
Em última análise, a questão para Pequim, que sempre afirmou seu apoio às normas internacionais de soberania e integridade territorial, é se pode encontrar uma maneira de conciliar a insistência internacionalmente isolada de Moscou de que sua guerra ilegal e apropriação de terras na Ucrânia sejam reconhecidas e a legítima exigência de Kiev de que suas fronteiras não sejam alteradas pela força.
Essa é uma questão fundamental para a ordem europeia e global e, desde a Ata Final de Helsinque de 1975, a inviolabilidade das fronteiras foi o princípio fundamental da segurança europeia.
Seja qual for o destino dos esforços de mediação da China na guerra, eles serão um grande teste para a habilidade e influência dos diplomatas chineses.
Também serão uma indicação de como a China aspira desempenhar seu papel futuro em uma Eurásia reimaginada.
*Stefan Wolff é professor de Segurança Internacional na Universidade de Birmingham, na Inglaterra
Tetyana Malyarenko é professora de Relações Internacionais e de Segurança Europeia na Universidade Nacional 'Academia de Direito de Odessa', na Ucrânia.
BBC
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