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sexta-feira, 10 de maio de 2024

Trilogia sobre descobrimento do Brasil pelo RN é referência em pesquisas

 


Foto: Magnus Nascimento

Cinthia Lopes
Especial para a TN

Um aviso aos navegantes: Se nunca avistou o Pico do Cabugi de determinado ponto do litoral entre as águas de Caiçara do Norte e Touros, ou está seguindo as coordenadas erradas ou não leu ‘O Mando do Mar’. O livro do historiador e escritor potiguar Lenine Pinto (1930-2019) que trata das navegações pelo Atlântico Sul em um viés alternativo à versão oficial sobre o Descobrimento do Brasil, é uma espécie de diário de bordo das novas gerações de velejadores, cientistas, pesquisadores e curiosos. Afinal, há muito mais estudos sobre correntes marítimas e ventos abordando o assunto do que no século passado.


O livro que trata do marco do descobrimento a partir de Cabo de São Roque, em Touros (RN), e não em Porto Seguro (BA), em 1500, é importante também por encerrar a trilogia sobre o tema que dominou parte da trajetória do pesquisador. Além de “O Mando do Mar”, a coleção reúne “Reinvenção do Descobrimento” (1998) e “Ainda sobre a Reinvenção” (2000), obras que estão sob a responsabilidade editorial do Sebo Vermelho e, segundo o editor Abimael Silva, está renovando as edições.

Livro encerra a trilogia com a nova teoria sobre o descobrimento | Foto: Divulgação


Na publicação de 2015, o professor José Luís Conceição Silva, diretor do Centro Brasileiro de Estudos Portugueses da UnB (Universidade de Brasília), já dizia que “ficou-lhe a convicção de não poder mais acreditar na velha ‘verdade histórica’”, ou seja, aquela que Cabral aportou no sul da Bahia. Controvérsias ainda existem, mas para quem já foi chamado de “lunático” quando iniciou as pesquisas, Lenine alcança um reconhecimento.


O assunto teve nova atenção na mídia e reacendeu histórias. O capitão Erico Amorim é um desses entusiastas que ajudaram a reforçar a tese. Em 2011 ele decidiu refazer, pela primeira vez, com seu veleiro Musa, um Delta 26, a mesma viagem que o governador Sylvio Pedroza fez 60 anos antes. Reuniu os amigos velejadores José Dias do Nascimento (Astrofísico da UFRN) e Olmino Eder (Piloto militar da aeronáutica) e partiu do Iate Clube numa aventura pelo litoral até Fortaleza, enfrentando os ventos fortes e correntes marítimas do mês de agosto.


Amorim ouvira falar sobre a tese de Lenine Pinto e ainda tinha em mente os relatos de seu Dedé, pescador caiçara que costumava observar os acidentes geográficos da região. Documentados e com equipamentos modernos, seguiram viagem observando os cenários. “Chegamos ao mesmo ponto de referência relatado por Lenine Pinto e pelo pescador e conseguimos ver o pico do Cabugi (localizado em Angicos), bem nítido, sobressaindo na paisagem”, relata o capitão. “Calculamos as coordenadas e quando fomos documentar a máquina fotográfica estava descarregada”, relembra José Dias. Aí tiveram de improvisar. Rabiscaram as coordenadas em um pequeno pedaço de papel junto com o desenho do pico do Cabugi à frente. São estas: Latitude 05º 01,57 e longitude 36º 08,617.


Os velejadores ainda relatam que, do ponto de vista de ventos e correntes, a chegada no continente na altura do estado do Rio Grande do Norte, entre Touros e o Cabo de São Roque é evidente, “pois segue uma rota muito natural quando se fala de navegação com menor esforço”.


Dessa forma, o levantamento feito para registrar os pontos observacionais de latitude e longitude onde se poderia ver o Pico do Cabugi do mar, foi um divisor estabelecido há uma década pelos velejadores. “Este levantamento que encontra-se descrito no livro O Mando do Mar abriu, sem dúvida, uma linha de pesquisa que inspira recentes estudos”, comentou José Dias.

DE 500 ANOS PRA CÁ
Nas comemorações dos 500 anos, foi realizada uma expedição conjunta realizada entre os governos de Brasil e Portugal, no qual os navegantes utilizaram a rota, condições e equipamentos similares aos empregados por Pedro Álvares Cabral. Na época, a expedição precisou de um motor auxiliar mais potente, pois, nas mesmas condições de 1500, só conseguiriam chegar a solo brasileiro, naquela data, na cidade de Touros. Em 2018, a teoria voltou a ganhar força e várias reportagens na mídia impressa e dedicaram seu espaço a essa reivindicação histórica.

SERRA VERDE À VISTA
O mais recente pesquisador a abordar o tema é o escritor e engenheiro Manoel Cavalcanti Neto. Ele lançou esta semana o livro “Brasil 1500 – A Verdade”, no qual segue os passos de Lenine, porém com uma interpretação independente. O autor defende que a elevação registrada na carta de Pero Vaz de Caminha, “um monte muito grande, alto e redondo” pode não ser o Pico do Cabugi, mas sim a Serra Verde, região de João Câmara, Mato Grande. Em mais de 50 pequenos capítulos, são pontuados temas como a era dos descobrimentos, grandes navegações e o descobrimento do Brasil no Rio Grande do Norte. Segundo ele, hoje é possível com a ajuda da física e da matemática, da ciência e da tecnologia do século 21, trazer nova luz às pesquisas.


Ao defender a tese de Lenine sobre a questão do Rio Grande do Norte como ponto observado na chegada de Pedro Álvares Cabral, o engenheiro utilizou o mapa de Cantino, uma das mais antigas cartas náuticas a interpretar os descobrimentos marítimos portugueses, o Atlas de Miller, além da carta de Caminha e o um artigo de Carlos Chesman, Cavalcanti Neto e Cláudio Furtado sobre a chamada força de Coriolis, que aborda o quão determinante foi para a movimentação das embarcações navegações do século XV.


Já a interpretação em que o contradiz, sobre Serra Verde ser o monte avistado, o autor buscou suas leituras semânticas da carta e seus estudos matemáticos sobre altura e proeminência topográfica, profundidade do litoral. Manoel Cavalcanti Neto acredita que o ponto no qual se avista o relevo é a partir do Rio do Fogo. “No local citado a Serra Verde encobre o Pico do Cabugi”, disse. É como escreveu Alexandre Garcia. “No início era Lenine Pinto, e o verbo de Lenine habitou entre nós. Há mais de três décadas a descoberta do Descobrimento em Touros me faz levar o assunto a todos os que possam provocar investigações”.


Dos lados da praia de Touros, localidade onde foi chantado o marco colonial mais antigo do Brasil, a comunidade vem se mobilizando para tornar um ponto turístico cada vez mais atrativo. É questão de tempo.

Tribuna do Norte 



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