FOTO Magnus Nascimento
A eventual cobrança pela água bruta, como prevê a minuta de um decreto do Governo do Rio Grande do Norte, terá impactos significativos na cadeia produtiva de cana-de-açúcar, avalia o presidente da Cooperativa dos Plantadores de Cana do RN (Cooplacana-RN), Anderson Faheina. De acordo com ele, cerca de 40% dos produtores ligados à cooperativa são considerados pequenos e correm risco de fecharem seus negócios. A cobrança, conforme planeja o Estado, pode variar entre R$ 0,01 e R$ 0,45 por m³ de água. Governo aponta que a cobrança faz parte da regulamentação de uma lei aprovada em 1996 e que o decreto será “fechado” depois de dialogar com todas as partes.
“A gente é contra porque consideramos uma medida descabida. O Governo diz que não vai atingir o pequeno produtor só que deixa um limiar de isenção que não irriga nem dois hectares de cana. Não tem cristão no mundo que sobreviva com dois hectares de cana, nem nossos pequenos produtores assentados no Incra. O governo deixou o limiar de isenção para quem quer ficar isento se tornar miserável”, diz Anderson Faheina.
Anderson Faheina, que também é membro da Associação dos Plantadores de Cana do RN (Asplan-RN) chama a atenção para os impactos diretos na população, que pode enfrentar alta de preços de itens da cesta básica, como o açúcar, além do desemprego causado pelo possível fechamento de empresas. “É o que vem acontecendo no Rio Grande do Norte dos últimos anos. Nós tínhamos mais unidades industriais e vem fechando. Isso atinge todos os produtores, incluindo os pequenos”, destaca.
Ele cita ainda que a possível cobrança vai na contramão do processo de descentralização da indústria do Estado. “O maior impacto e mais preocupante é a perda de emprego, principalmente do emprego que é gerado em regiões mais difíceis de produzir, como no Sertão. O emprego que é gerado na região de Mossoró, Seridó, que são regiões mais difíceis de emprego. Na hora que você cobra a água da irrigação, você está fazendo com que esse produtor tenha mais dificuldade e que acabe abandonando a produção agrícola e venha para capital em busca de emprego”, comenta.
A forma como o diálogo tem sido conduzido também é alvo de críticas por parte dos produtores de cana-de-açúcar. Anderson Faheina, da Cooplacana-RN, diz que as conversas não avançaram porque o Governo não “abre mão da cobrança”.
“Tivemos uma reunião que eu considero improdutiva. O governo quase que não deixa a gente falar. Os quatro primeiros palestrantes foram todos do governo e eles alegam que estão dispostos a conversar, mas em nenhum momento eles cogitam a hipótese de não cobrar. Eles querem conversar para saber o valor que vão cobrar. Já foi dito que é uma proposta na contramão do que o Estado precisa, que é gerar emprego e dignidade”, pontua.
Nesta terça-feira (13), os secretários de Estado da Agricultura e da Pesca (Sape), Guilherme Saldanha, e do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), Paulo Varela, se reunirão com o setor da Agricultura Irrigada. O encontro está marcado para acontecer às 15h, no Distrito Irrigado do Vale do Açu (Diba), na zona Rural de Alto do Rodrigues. O titular da Semarh, Paulo Varella, disse que a rodada de conversa faz parte do processo de construção do decreto.
“Estamos fazendo essa construção, de setor em setor. Tivemos reunião com os carcinicultores, tivemos com o pessoal da cana-de-açúcar, vamos ter com o pessoal da agricultura irrigada do Vale do Açu e, na quarta, estaremos em Mossoró para discutir com a fruticultura irrigada. Além disso, temos que conversar com o pessoal do sal. É muito flexível o decreto e estamos escutando para fazer essa construção”, destaca.
De acordo com Varella, a cobrança terá de ser aplicada “mais cedo ou mais tarde” em cumprimento a uma legislação federal. “Isso vem da constituição, tem uma lei federal, tem uma lei estadual, em algum momento essa cobrança virá porque ela faz parte do sistema de gerenciamento dos recursos hídricos, mas não é igual para todos os setores e, não necessariamente, começará igual para todos os setores. Tudo isso pode ser conversado, negociado” explica.
Ainda segundo Varella, a cobrança já é feita em outros estados. “Muitos estados já cobram por bacia hidrográfica”, diz. A regulamentação da cobrança por decreto já é feita nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraíba e Ceará, além de Pernambuco que deve entrar nesse grupo em breve, segundo Paulo Varella. “Semana passada eu soube que o Piauí também aprovou essa cobrança”, complementa o chefe da Semarh.
Impactos
Conforme revelado pela TRIBUNA DO NORTE, a minuta – uma espécie de rascunho – do decreto regulamenta o uso da água bruta pela indústria, que teria uma cobrança de R$ 0,45/m³ e R$ 0,42/m³ para água mineral e potável, as duas maiores taxas. O setor de Serviços e Comércio teria uma taxa de R$ 0,33/m³. Além disso, um artigo específico aponta para uma “tarifa de contingência”, em que o Estado cobraria percentuais de 10% a 50% em situações de escassez hídrica em cima dos valores já cobrados. O Governo aponta que a minuta está em discussão e os valores não estão necessariamente definidos.
Em conversa com a TN à época do anúncio da intenção do governo, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do RN (Faern), José Vieira, argumentou que a cobrança poderá afetar outros segmentos de produção do Rio Grande do Norte que necessitam da água. Ele critica, por exemplo, a possibilidade cobrança da água salobra e pela água de poço e aponta que a taxação é prejudicial para o setor e para a economia.
TRIBUNA DO NORTE
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