O Corredor Norte-Sul, uma rota ferroviária planejada que conectará a Rússia ao Oceano Índico via Irã, está ganhando relevância como um meio para Moscou movimentar mercadorias livremente. Mas, apesar de suas perspectivas, o projeto depende muito da situação e da infraestrutura do Irã, e isso é problemático para o Kremlin. O Irã não tem condições de financiar o projeto, e o corredor não funcionará sem investimento. A Rússia, portanto, precisará investir repetidamente: em estradas, portos, depósitos e infraestrutura adicional.
Quando o presidente russo, Vladimir Putin, pediu às empresas russas em meados de março que investissem na construção da linha Rasht-Astara – parte do Corredor Norte-Sul entre a cidade iraniana de Rasht e a cidade azerbaijana de Astara – havia poucas dúvidas de que os empresários ouviriam o conselho. No entanto, foi revelado em maio que o governo russo estaria financiando o próprio projeto, emitindo um empréstimo de 1,3 bilhão de euros ao Irã.
A decisão do governo russo é o mais recente desenvolvimento de um projeto que vem sendo empurrado há quase vinte anos. Rússia, Irã e Azerbaijão assinaram pela primeira vez um acordo em 2005 para construir uma rota ferroviária conectando as linhas existentes no Irã até Astara. Dado que as rotas entre o Azerbaijão e a Rússia já existiam, apenas 350 quilômetros adicionais seriam necessários para conectar a Rússia aos portos do Oceano Índico. A construção estava prevista para durar cerca de dois anos.
O Irã só começou a construção de sua parte da ferrovia em 2009, no entanto, e apenas metade dela – entre as cidades de Qazvin e Rasht – foi concluída na última década. A segunda metade – de Rasht a Astara – acabou sendo mais exigente tecnologicamente, demandando financiamento adicional.
Um Irã sem dinheiro começou a cortejar investimentos estrangeiros. Em 2017, o Azerbaijão concordou em emprestar ao vizinho 500 milhões de euros – cerca de metade do custo total da construção – apenas para reconsiderar em 2018, depois que os Estados Unidos impuseram novas sanções a Teerã.
O trabalho na seção Rasht-Astara está em andamento, pelo menos no papel. Mas o Irã claramente carece de fundos e recursos técnicos. Agora cabe aos fundos orçamentários russos colocar o projeto de volta nos trilhos.
Isso pode ser mais fácil dizer do que fazer, já que vários problemas surgem. Em primeiro lugar, o retorno do investimento da Rússia ainda está distante: mesmo que tudo corra conforme o planejado, a ferrovia Rasht-Astara, com 162 quilômetros de extensão, só entrará em operação em 2027 .
As mercadorias também terão que passar pelo Azerbaijão em um momento em que suas relações com o Irã estão tensas. Está longe de ser certo que Baku facilitará o bom funcionamento do corredor. Além disso, o Corredor Norte-Sul pode competir com o projeto favorito de Baku, o Corredor Zangezur: uma controversa e hipotética rota de transporte ligando o Azerbaijão (e possivelmente a Rússia) ao Mar Mediterrâneo via Armênia e Turquia.
Questões legítimas foram levantadas sobre se Rasht-Astara será rentável em comparação com o transporte rodoviário iraniano. Não só a gasolina é fortemente subsidiada no Irã, como a infraestrutura rodoviária é significativamente melhor do que a ferroviária. Claramente não é coincidência que o governo russo tenha que intervir para financiar o projeto em meio à falta de interesse de investidores privados. Mas, dados os cofres quase vazios do Irã, as chances de a Rússia recuperar seu dinheiro são realmente pequenas.
A cooperação por meio de empréstimos está se tornando a espinha dorsal das relações russo-iranianas. Em 2021, por exemplo, a Rússia emprestou US$ 5 bilhões ao Irã para projetos de infraestrutura. Nesse mesmo ano, descobriu-se que o Irã devia 500 milhões de euros (US$ 591,5 milhões) pela construção da usina nuclear de Bushehr. As dívidas do Irã por produtos agrícolas russos também estão aumentando a cada mês.
A Rússia continua a fornecer empréstimos, apesar da crescente dívida do Irã de projetos anteriores. Dada a precariedade financeira de Teerã e a crise política em curso, é duvidoso que esses empréstimos sejam pagos.
Claro, nada disso nega que a Rússia precisa urgentemente de rotas alternativas de transporte, tendo sido cortada de suas rotas ocidentais tradicionais após a invasão da Ucrânia. Em termos de sanções, um corredor através do Irã parece a opção mais segura.
Rotas alternativas passam por China e Turquia, mas com elas viria a incerteza. Apesar da “parceria sem limites” de Putin e Xi Jinping, os Estados Unidos continuam sendo o maior parceiro econômico da China, que provou não estar disposta a arriscar sanções no passado. A Turquia é membro da Otan (Organização do tratado do Atlântico Norte) e está ainda mais integrada economicamente com o Ocidente. Ela resistiu a muitas demandas para reprimir a evasão de sanções russas até agora, mas pode não permanecer um parceiro confiável para a Rússia por muito tempo. O Irã fortemente sancionado, por outro lado, não tem nada a perder trabalhando com a Rússia.
A Rússia tem opções adicionais que exigem menos coordenação com países intermediários. Poderia expandir sua frota de carga do Mar Cáspio, por exemplo, o que seria mais rápido do que construir uma ferrovia. Depois de chegar ao Irã, as mercadorias poderiam ser transportadas em seu território por meio de estradas ou ferrovias existentes.
Por fim, a Rússia também poderia chegar ao Golfo Pérsico usando ferrovias no Cazaquistão e no Turcomenistão. Em maio deste ano, o presidente cazaque Kassym-Jomart Tokayev propôs o lançamento de uma linha de carga de alta velocidade entre a cidade russa de Chelyabinsk e o Irã, para a qual o Cazaquistão renovaria sua parte da ferrovia.
Qualquer uma dessas rotas exigiria um investimento maciço. As ferrovias de via única do Irã teriam que ser expandidas, com novos portos construídos no Mar Cáspio, no Golfo Pérsico e no Golfo de Omã, para não falar da construção de infraestrutura de apoio.
O Irã não pode fazer isso sozinho. Mas Teerã está bem ciente da situação em que a Rússia se encontra agora e por que ela quer o Corredor Norte-Sul. O objetivo do Irã, portanto, é modernizar sua própria infraestrutura com dinheiro russo.
A Rússia, por sua vez, parece resignada a pagar a conta. Em meados de maio, o vice-primeiro-ministro Marat Khusnullin disse que a Rússia gastaria de 250 bilhões a 280 bilhões de rublos (cerca de US$ 3,5 bilhões) no Corredor Norte-Sul até 2030. Com toda a probabilidade, esses são valores bastante subestimados. Mas a Rússia não tem escolha: ela precisa do Corredor Norte-Sul e ninguém mais está disposto a investir nele.
A REFRÊNCIA
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