As eleições gerais de outubro serão as primeiras realizadas sob a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que vigora desde 2020. Com o objetivo de zelar pelos dados pessoais e sensíveis da população, ela torna obrigatório, por exemplo, que as campanhas cadastrem previamente os eleitores interessados – e com o consentimento deles – em receber mensagens dos candidatos.
Neste pleito, as federações, os partidos, os candidatos e os próprios aplicativos estão submetidos a novas regras, como destaca a advogada especialista em direito digital Ana Paula de Moraes, em entrevista à CNN. De acordo com ela, todas as mensagens devem conter um emissor identificado, e o cidadão deve poder, a qualquer tempo, descadastrar seus dados caso não queira mais receber o conteúdo do candidato ou do partido.
“O disparo em massa de conteúdo eleitoral por meio de mensagens de texto é ilegal e pode levar à cassação do registro da candidatura, inelegibilidade e multa de R$ 5.000 a R$ 30 mil”, diz.
Na definição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disparo em massa é o “envio, compartilhamento ou encaminhamento de um mesmo conteúdo, ou de variações deste, para um grande volume de usuárias e usuários por meio de aplicativos de mensagem instantânea”.
O tema ganhou relevância em 2018, quando o WhatsApp virou alvo de contestações por causa de denúncias de envio em massa de mensagens. Naquele ano, o jornal Folha de S.Paulo noticiou que empresas contratadas por empresários ligados à campanha de Jair Bolsonaro (PL) foram usadas para atacar opositores e divulgar informações falsas.
O caso resultou em quatro ações, e os julgamentos só foram concluídos em 2021. O TSE entendeu que houve disparo em massa, mas decidiu não cassar a chapa Bolsonaro-Mourão por falta de provas que ligassem o crime aos candidatos e ao PSL, seu partido na época.
A preocupação com o uso dos aplicativos nas eleições se estendeu a 2022, por causa da ausência deAplicativos como o WhatsApp, assim como os partidos, estão submetidos a novas regras nas eleições deste ano um escritório do Telegram no Brasil, o que fez crescer o temor de que a empresa ficaria fora do controle do TSE. Em maio, porém, o tribunal e o aplicativo assinaram um acordo de colaboração para o enfrentamento da desinformação.
Acordo com o WhatsApp
Em fevereiro deste ano, com o objetivo de “garantir a legitimidade e a integridade das eleições de outubro”, o TSE e o WhatsApp firmaram esforços no combate à disseminação de desinformação no processo eleitoral.
O WhatsApp se comprometeu a implementar ou a auxiliar a implementação de iniciativas para a difusão de informações confiáveis e de qualidade sobre o processo eleitoral. Um dos exemplos é a permissão de acesso das autoridades, caso necessário, à Business Application Programming Interface (API) do aplicativo – ferramenta que permite o seu funcionamento e reúne dados dos usuários.
Pelo acordo, a empresa deve ajudar na rápida identificação e contenção de casos de desinformação. Entre as ações está a criação de um canal de comunicação extrajudicial para a denúncia de conteúdos que veiculem desinformação relacionada às eleições.
Outra iniciativa é o aperfeiçoamento de um chatbot desenvolvido para as eleições de 2020, que é um programa que simula e processa conversas humanas e permite interação com dispositivos digitais.
Para este ano, o chatbot deverá ter envio de mensagens proativas, assim como um aumento nos serviços disponíveis.
Além disso, segundo o memorando de entendimento, o WhatsApp produzirá uma cartilha sobre o aplicativo, com o apoio do TSE.
Eleitores mais atentos
Os eleitores estão mais conscientes sobre os riscos de espalhar desinformação nas eleições, segundo uma pesquisa do InternetLab divulgada em agosto deste ano. O levantamento aponta que 14% dos usuários do WhatsApp e 19% do Telegram entrevistados afirmaram que já estavam participando de grupos de discussão política sobre as eleições de 2022.
Nesses grupos, os usuários buscam evitar conflitos e animosidades, segundo a pesquisa. De acordo com os dados, 58% das pessoas dizem estar se policiando mais em relação ao que falam nos grupos (eram 40% em 2020), enquanto 64% evitam compartilhar mensagens que possam atacar valores de outras pessoas (eram 57% em 2020).
O conhecimento de termos como “desinformação” e “fake news” é difundido entre os usuários, assim como uma desconfiança prévia com relação às informações recebidas.
Dos entrevistados, 44% consideram que grupos grandes de WhatsApp em que muitas pessoas não se conhecem têm mais boatos do que grupos pequenos com conhecidos. Assim, os usuários preferem interagir cada vez mais em grupos menores.
Punição à violação das leis eleitorais
O advogado criminal, eleitoral e corregedor da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ), Paulo Victor Lima, ressalta que criar e divulgar fake news é crime, assim como uma violação à lei eleitoral, passível de punição administrativa.
O artigo 323 do Código Eleitoral prevê punição com detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa para quem “divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado”.
A head de Mídias do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Karina Santos, diz que, apesar das mudanças nas regras, as fake news ainda são uma preocupação.
“De 2018 para cá a gente tem um avanço do uso de tecnologia nas campanhas e as fake news se tornaram algo sistemático, articulado; há um mercado em torno da produção e circulação de fake news que se aquece durante o período eleitoral”, afirma.
A jornalista, professora e pesquisadora de redes sociais Raquel Recuero segue a mesma linha de raciocínio. Ela também acredita que a produção de desinformação está mais complexa, além de poder ser agravada pela polarização política presente no cenário eleitoral.
“As desinformações não estão mais no nível do absurdo e da invencionice. Hoje você vê isso muito disfarçado de opinião, o que é difícil de moderar nas plataformas. As pessoas falam coisas absurdas e taxam como opinião. Isso se intensifica com a polarização que se acirrou nos últimos anos e nesta eleição está ainda mais grave”, acrescenta Recuero.
A pesquisadora também chama a atenção para os grupos privados nos aplicativos de mensagem e aponta que a dificuldade de moderá-los é vista como uma vantagem por quem os usa para espalhar desinformação e incitar discursos antidemocráticos.
“É lá que circulam conteúdos mais absurdos. Temos aí o exemplo da invasão ao Capitólio, nos Estados Unidos, que foi articulada nesses grupos. Aqui, temos pessoas falando em golpe caso Bolsonaro perca. Esse tipo de mobilização acontece em grupos privados e não se pode deixar isso de lado”, alerta.
Para o professor de comunicação política Arthur Ituassu, da PUC-Rio, além das fake news, as eleições deste ano também têm como problema o discurso antidemocrático.
“Antes, se tinha o filtro institucional do jornalismo como soberano e agora você tem espaço nas mídias digitais. Então o político quer falar o que ele quiser, inclusive sobre a possibilidade de um regime militar no país. Há uma grande questão em torno da democracia liberal sendo discutida hoje e acho que o principal foco das eleições é o discurso antidemocrático”, diz Ituassu.
Debate
As emissoras CNN e SBT, o jornal O Estado de S. Paulo, a revista Veja, o portal Terra e a rádio NovaBrasilFM formaram um pool para realizar o debate entre os candidatos à Presidência da República, que acontecerá no dia 24 de setembro.
O debate será transmitido ao vivo pela CNN na TV e por nossas plataformas digitais.
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