A recente contraofensiva de Kiev, que levou à reconquista de milhares de quilômetros quadrados antes sob o controle de Moscou, forçou o presidente russo Vladimir Putin a recorrer a uma medida extrema: uma mobilização nacional parcial, com o objetivo de adicionar às forças armadas até 300 mil reservistas. Entretanto, a estratégia pode não ser suficiente para levar a Rússia à vitória na Ucrânia. É o que apontam analistas ouvidos pela rede Radio Free Europe.
Na opinião de Michael Kofman, analista militar e chefe do programa de estudos da Rússia no think tank norte-americano CNA, a decisão de Putin “pode estender a capacidade russa de sustentar esta guerra, mas não muda a trajetória e o resultado geral”.
Rob Lee, especialista do programa para a Eurásia do Instituto de Pesquisa em Política Externa dos EUA, concorda: “Ainda acho que a Ucrânia tem muitas vantagens daqui para frente”, diz ele, que igualmente vê a mobilização como uma mera oportunidade de resolver “por alguns meses” o problema russo da falta de mão de obra militar.
Treino, liderança e motivação
A sistemática estabelecida pelo Kremlin indica um problema: o treinamento deficiente dos reservistas. Cidadãos que atendem às condições de convocação começaram a receber cartas para que se apresentem e cumpram duas semanas de treinamento a partir do final de setembro. Os especialistas apontam que esse prazo é pequeno e que o país talvez não tenha estrutura para coordenar o programa emergencial.
“Não importa quanto pessoal eles mobilizem, qualquer que seja o número que você possa imaginar. Os militares russos são realmente bastante limitados no número de tropas que podem sustentar e comandar no teatro de operações militares”, disse Kofman, que vê até a alimentação dos soldados como um desafio para Moscou.
Em uma série de posts no Twitter, Mark Hertling, ex-comandante do exército dos EUA na Europa, listou obstáculos que talvez as forças armadas russas não consigam superar. “A questão é que o exército russo é mal liderado e mal treinado. Isso começa no treinamento básico e não melhora durante o tempo do soldado da Rússia no uniforme”, disse ele. “Mobilizar 300 mil ‘reservistas’ (depois de falhar com forças convencionais esgotadas, milícias desorganizadas, recrutar prisioneiros e usar paramilitares como o Wagner Group) será extremamente difícil”.
Hertling citou ainda uma questão crucial: a falta de vontade dos reservistas de ir à luta. “E colocar ‘novatos’ em uma linha de frente que foi atacada, tem o moral baixo e que não quer estar lá pressagia mais desastre para a Rússia. De cair o queixo. Um novo sinal de fraqueza da Rússia”.
Lee reforça esse aspecto. “Esta guerra será cada vez mais travada por voluntários do lado ucraniano que estão motivados e com moral. Do lado russo, veremos uma parcela cada vez maior de pessoas que não querem estar lá”, disse o especialista do Instituto de Pesquisa em Política Externa dos EUA.
Reservistas despreparados
Para Moscou, uma forma de driblar esses problemas é dar prioridade aos dois milhões de ex-conscritos e ex-militares contratados que estão hoje na reserva, de acordo com o think tank Instituto para o Estudo da Guerra, de Washington. Todos foram treinados no passado, o que serviria como atalho para a preparação.
Entretanto, mesmos essa elite dos reservistas está destreinada, vez que não há um programa regular de preparação militar. Nos EUA, por exemplo, cidadãos nessas condições participam de exercícios mensais e fazem duas semanas anuais de treinamento intensivo.
“Se você pensou que os militares russos tiveram problemas de desempenho até agora, apenas observe o que essa força mobilizada vai estragar”, afirmou pelo Twitter Dara Mascott, pesquisador sênior do think tank norte-americano RAND Corporation, com foco em questões de defesa na Rússia. “O MOD (Ministério da Defesa russo) sabe que o sistema de mobilização fede, eles o deixaram desmoronar por mais de dez anos”.
O analista militar independente Pavel Luzin já havia alertado para esse problema, ante a relatos anteriores de soldados russos que treinaram por pouco mais de uma semana até serem enviados à guerra. “Uma semana [de treinamento] não é nada. Para um soldado, é um caminho direto para um hospital ou um saco para cadáveres”, afirmou ele.
Samuel Cranny-Evans, analista militar do think tank Royal United Services Institute, em Londres, diz que não é apenas o treinamento de combate que faz falta: “Há muito a aprender em termos de coordenação e cooperação com uma equipe. E é bastante demorado”.
Se os problemas se confirmarem, a alternativa da Rússia pode ser simplesmente enviar mais soldados ao campo de batalhas após a primeira leva. Embora a mobilização inicial seja parcial, a lei abre espaço para que seja ampliada posteriormente.
“Esta fase de mobilização pode ser apenas o começo de mais mobilização”, afirmou Kofman, especialista do CNA. “Todo mundo na Rússia entende que pode estar na próxima onda. E que isso é apenas o começo”.
A REFERÊNCIA
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