Rafael Gomez*
Da BBC Brasil em São Paulo
A escalada da tensão política na Ucrânia - com a previsível reação russa, envolvendo a possibilidade de uma intervenção militar - representa acima de tudo o fracasso da diplomacia europeia, anteriormente aclamada por facilitar um acordo que, pensava-se, iria pacificar o país.
O acordo do último dia 21, assinado pelo então presidente, Viktor Yanukovych, e por representantes da oposição, previa a criação de um governo de unidade nacional, a adoção da constituição ucraniana de 2004 (com a redução dos poderes do presidente) e uma eleição presidencial apenas no final do ano.Com alívio geral, esperava-se que o entendimento acabasse com o banho de sangue na Praça da Independência, em Kiev, além da tensão em Lviv e em outros pontos do oeste nacionalista. Até então, a Crimeia e o leste, onde se concentram os simpáticos a Moscou, estavam em silêncio.
O que aconteceu nos dias seguintes praticamente jogou no esquecimento o acordo patrocinado pela UE. Yanukovych fugiu para a Rússia, o governo de "união" foi empossado apenas com figuras da oposição e as eleições foram convocadas para 25 de maio.
Em meio à velocidade dos acontecimentos, a diplomacia da União Europeia não veio a público defender com veemência os termos do acordo. Isso só deu mais impulso à Rússia, já contrariada no acordo original, e agora incentivada a uma ação drástica pela revolta da significativa parte da população ucraniana simpática a Moscou e desconfiada do novo governo.
Geórgia
O cenário lembra o da intervenção russa na Geórgia em 2008, algo que vem sendo mencionado por analistas. Mas existem diferenças fundamentais que tornam esta possível intervenção russa muito mais complicada e arriscada para Moscou.VEm 2008, o Kremlin apostou, corretamente, que o Ocidente não iria intervir em defesa do então presidente georgiano Mikhail Saakashvili - que, com todo seu inglês adquirido nos Estados Unidos, alegava estar sendo violentado pelo imperialismo neo-soviético.
Mas a Geórgia é um país pequeno, longe das fronteiras da União Europeia e com um longo histórico de guerras civis desde a independência, em 1991. Como se não bastasse, os territórios simpáticos a Moscou dentro da Geórgia - a Abecásia e a Ossétia do Sul - são bem delimitados e conhecidos.
A Ucrânia, por sua vez, tem um território imenso, que faz fronteira com a União Europeia, e não tem um histórico de confronto aberto. As tensões entre russos e ucranianos permaneceram sob controle desde o fim da URSS devido a um pacto das elites locais, com o apoio de Moscou.
O que a ex-oposição ucraniana tentou fazer foi eliminar a Rússia da equação. Novamente, como na Geórgia, a oposição a Moscou assume que terá o apoio do Ocidente - o que está ocorrendo de forma retórica. E a Rússia novamente aposta que o apoio não irá além de retórica.
Mas como a Europa e os Estados Unidos reagiriam se a intervenção russa gerar um crise humana, com milhares de ucranianos tentando cruzar a fronteira da União Europeia para fugir do conflito?
E a Rússia, como reagiria se o conflito não for como ela espera - rápido, neutralizando as tropas ucranianas enviadas à Crimeia? Se houver ameaça às comunidades russas em outras partes do país, onde é que Moscou vai mirar suas forças? Mesmo no leste, uma parcela significativa da população é antipática ao Kremlin.
Tanto para a Rússia quanto para o Ocidente, uma escalada do conflito seria uma imensa dor de cabeça, com potencial de criar um prejuízo inimaginável e elevar exponencialmente a divisão política na Ucrânia.
Diplomacia europeia
Percebendo isso, a diplomacia europeia e americana tem buscado alguma saída, embora sem nenhum resultado prático e, por ora, colocando a Rússia na defensiva.
Neste sábado, o ministro britânico das Relações Exteriores, William Hague, disse ter tido uma conversa telefônica com seu colega russo, Sergei Lavrov, em que lembrou ao russo que a soberania ucraniana sobre a Crimeia deve ser respeitada.
Hague, que viajaria neste domingo a Kiev, disse apoiar o pedido ucraniano de que o tema fosse discutido pelo Conselho de Segurança da ONU, levando em conta as obrigações russas por conta do Memorando de Budapeste, de 1994.
O memorando, assinado por Moscou, EUA e Grã-Bretanha, proíbe intervenções armadas na Ucrânia que ponham em risco a integridade territorial do país.
Os Estados Unidos certamente devem refutar qualquer tipo de intervenção internacional que não tenha aval do Conselho, do qual faz justamente parte, com direito a veto, a Rússia.
Interessante foi a declaração de sexta-feira do presidente americano, Barack Obama, de que uma ação militar russa terá "custos" para Moscou. Possivelmente Obama se refere a sanções. Mas sanções têm resultados incertos, como mostrou o caso iraniano, e sendo a Rússia uma economia muito mais poderosa que a do Irã, há uma tendência ainda maior de a estratégia não funcionar.
Com sua declaração, Obama já mostrou que teria dificuldade em mediar a questão. O que nos leva à estaca zero: a importância da diplomacia europeia.
Mas, na sexta-feira, o chanceler polonês, Radoslaw Sikorski, só reforçou o isolamento russo ao dizer que Yanukovych foi culpado pelo fracasso do acordo. Segundo ele, o presidente afastado violou o entendimento ao não assinar, no prazo estipulado, a adoção da constituição de 2004, prevista no acordo.
É a União Europeia que possibilitou o acordo original e poderia recolocá-lo nos eixos, como foi a União Europeia que mediou o fim do conflito na Geórgia em 2008 (só depois que a Rússia já havia obtido sua vitória).
Mas, agora, isso implicaria em uma grande ginástica. Os diplomatas teriam que pressionar as novas autoridades de Kiev a voltar atrás, o que não seria fácil, e teriam que estabelecer uma aliança genuína com Moscou, o que no momento parece muito distante de ocorrer.
Mas, se isso acontecesse, Moscou estaria disposto a retroceder? Essa é outra questão. O país já saiu perdendo no acordo do dia 21.
Talvez só voltasse atrás se Yanukovych voltasse ao poder, o que, ficou claro, é inaceitável para o atual governo, que quer vê-lo preso e julgado pelas mortes na Praça da Independência.
De qualquer forma, para haver uma saída, todos terão que ceder. Caso isso não aconteça, estará criado o cenário para uma guerra que pode mudar a história da Europa no século 21.
*Rafael Gomez é mestre em Estudos da Rússia e da Europa Oriental pela Universidade de Birmingham, Reino Unido.
FONTE: BBC BRASL
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domingo, 2 de março de 2014
Análise: Diplomacia europeia é chave para paz na Ucrânia
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