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terça-feira, 30 de junho de 2015

Documentário joga luz sobre período escuro da ditadura



Fonte: Senado 

Estreou no final de semana o primeiro episódio do documentário Em Busca da Verdade, da TV Senado, que resgata o trabalho da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Encarregada de investigar violações de direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro entre setembro de 1946 e outubro de 1988, a comissão teve como foco principal a ditadura militar iniciada em 1964.A CNV foi instituída em 16 de maio de 2012 pela Presidência da República a partir de lei aprovada pelo Congresso e entregou o relatório final em 10 de dezembro de 2014. Nesse período fez inúmeras diligências e colheu os depoimentos de 1.116 pessoas. O documento que resultou desse trabalho foi dividido em três volumes.
São cerca de 3,4 mil páginas, que tratam da formação da CNV, dos episódios de violação de direitos conduzidos pelo Estado brasileiro no período do estudo e da identificação das estruturas de repressão. Há ainda o perfil resumido de cada um dos 434 mortos e desparecidos políticos no Brasil entre 1946 e 1964.
— A Comissão Nacional da Verdade foi herdeira de investigações e de seus resultados que se iniciaram ainda na década de 70, ainda durante a ditadura. E, da mesma maneira que as investigações não se iniciaram com a Comissão Nacional da Verdade, não se encerrarão com a Comissão Nacional da Verdade — diz o advogado Pedro Dallari, que coordenou a CNV.
Segundo Randolfe Rodrigues (PSOLAP), que foi vice-presidente da Subcomissão da Verdade, Memória e Justiça do Senado, o Brasil foi o país mais atrasado entre aqueles que passaram por processos ditatoriais a ter um colegiado desse tipo. Ele lembra que o relatório da CNV tornou oficial o que antes era apenas denúncia: a existência de graves violações aos direitos humanos entre 1964 e 1985.
— O Estado lamentavelmente foi o agente que executou estas violações. Avaliação da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República publicada no terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos estima que 20 mil brasileiros tenham sido submetidos à tortura no período da ditadura militar.
O advogado Pedro Dallari ressalta no documentário a dificuldade de investigar fatos ocorridos há décadas.
— Fizemos um relatório consistente e há, no entanto, uma frustração muito grande, que é não termos conseguido avançar mais na localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos. São pessoas que foram detidas pelo Estado brasileiro e nunca mais foram localizadas. Ou seja, seus corpos desapareceram após elas terem sido torturadas e mortas pelo regime militar e isso é algo que a comissão ficou devendo, apesar do enorme esforço que desempenhou, pela ausência de documentos dos militares — lamenta o ex-coordenador da CNV

Mortos e desaparecidos que ainda pesam na memória

Um áudio descoberto no ano passado pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) abre o documentário Em Busca da Verdade, da TV Senado. Nele, o então deputado federal por São Paulo Rubens Paiva fala à Rádio Nacional em defesa do então presidente João Goulart, na madrugada do dia 1º de abril de 1964, com o golpe em andamento desde o dia anterior:
— Nosso presidente, ao tomar as medidas tão reclamadas por todo o nosso povo, medidas que conduzirão à nossa emancipação política e econômica definitiva, realmente prejudicou os interesses de uma pequena minoria de nossa terra. Pequena minoria, entretanto, que detém um grande poder.
Rubens Paiva foi cassado e, em 1971, preso em casa, no Rio de Janeiro, para onde nunca mais retornou. A morte dele, causada por tortura em uma instalação militar, foi confirmada em depoimentos colhidos pela CNV.
— O documentário reflete com muita proximidade o trabalho da Comissão Nacional da Verdade. Relata essa pá- gina escura da vida política nacional — diz João Capiberibe (PSB-AP), que presidiu a Subcomissão de Memória, Justiça e Verdade do Senado, ligada à Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Casa.
O senador, que foi perseguido pela ditadura, disse que vai solicitar a distribuição do vídeo para as escolas públicas de todo o país. Além de contextualizar o período do golpe de 1964, principal foco do trabalho da CNV, o documentário contrapõe depoimentos de torturadores, vítimas de torturas e parentes de desaparecidos. Também mostra entrevistas com membros da CNV e das comissões estaduais de São Saulo e do Rio de Janeiro.
Os depoimentos, aliados a imagens do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, e da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, provenientes de TVs e jornais da época, permitiram reconstruir a situação política e social daqueles anos.
— A pesquisa foi muito intensa. É um material enorme porque a Comissão Nacional e as comissões estaduais gravaram e tentaram fazer um registro audiovisual e de documentos de tudo o que foi investigado — conta a jornalista Lorena Maria, codiretora do primeiro episódio do documentário.
O vídeo também identifica, a partir das conclusões da CNV, a estrutura de repressão que foi formada dentro do Estado brasileiro. Conta Ivan Seixas, assessor da Comissão da Verdade de São Paulo:
— O organograma da repressão, que não é uma interpretação nossa, são documentos da própria ditadura, mostram o seguinte: a cabeça da estrutura, que é o Sistema de Segurança Interna (Sissegin), era o ditador, chamado de presidente, que tinha uma comissão de alto nível, que eram todos os governadores, o chefe do estado maior das Forças Armadas, o chefe do SNI [Sistema Nacional de Informações], que compõe uma rede que vai se desdobrar nos DOI-Codi [Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna].
Segundo Lorena Maria, da TV Senado, o documentário deixa claro que a repressão dos governos militares não se abateu apenas sobre os opositores que escolheram a luta armada.
— Os agentes da repressão que falaram à CNV relataram agressões contra indígenas e camponeses, por exemplo.
Um dos casos relatados no vídeo é o do trabalhador rural Epaminondas de Oliveira, do município de Porto Franco (MA). Por ter se aproximado do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT), ele foi preso, torturado e assassinado aos 68 anos, em agosto de 1971, pela Operação Mesopotâmia, coordenada pelo Comando Militar do Planalto. O corpo foi o único de mais de 200 desaparecidos a ser encontrado posteriormente. A família pôde sepultá-lo durante a vigência da CNV.
Outro drama visitado no documentário é o de Stuart Angel, estudante de economia e dirigente do MR-8, que foi sequestrado pela repressão, no Rio, em 1971. Esse desaparecimento é um dos mais conhecidos da ditadura, em virtude das denúncias feitas pela mãe, a estilista Zuzu Angel. Ela morreu em 1976, em um acidente de carro que teria sido forjado pela repressão.
— O documentário tem essa intenção de deixar um legado sobre um período da nossa história que não é muito conhecido — diz Deraldo Goulart, coautor de Em Busca da Verdade.

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